O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, recorreu diretamente ao presidente Jair Bolsonaro para romper a resistência de uma ala do governo e emplacar a ideia de distribuir títulos de terra por meio de “autodeclaração” dos produtores. A proposta é vista com desconfiança por pessoas próximas à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que veem risco de aumento de conflitos no campo e brecha para grilagem.

A autodeclaração é uma das bandeiras de Nabhan no cargo. Aliado de Bolsonaro desde a campanha e um dos principais conselheiros do presidente na área rural, o secretário é presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), que rivaliza com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST). Desde o início do governo, no entanto, sua atuação tem causado incômodo entre militares e na Agricultura.

O desgaste mais recente ocorreu após a demissão do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), general João Carlos Jesus Corrêa, no início do mês. A queda do militar, depois de oito meses no cargo, foi atribuída a Nabhan e teria passado sem grandes traumas se o general não tivesse saído dizendo que se tornara uma “pedra no sapato” por contrariar interesses e por atacar “verdadeiras organizações criminosas”.

Como consequência, o secretário foi alijado da escolha do substituto, Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo Filho. A decisão ficou nas mãos de Tereza e do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

A autodeclaração sugerida por Nabhan prevê que assentados possam requerer o título definitivo de propriedades – incluindo as que hoje são irregulares – após declarar, por conta própria, a posse da terra com a apresentação de mapas, imagens de satélites e informações de cadastros do Incra. Ficaria a cargo do governo conferir as informações transmitidas pelos produtores. Atualmente, a análise para a concessão é feita por técnicos do instituto in loco.

“O presidente Bolsonaro achou a ideia muito boa e a ministra Tereza também. Eles pediram cautela para não criar a regra na correria. Se a gente ficar atrás de informação de bastidor, o País fica ingovernável”, disse o secretário.

Questionada, a ministra da Agricultura não se manifestou. Aliado de Tereza, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) – a chamada “bancada do boi” -, é um dos contrários à proposta.

“Não é o caso da autodeclaração. A regularização fundiária pode ser feita com a estrutura dos municípios, das cooperativas e com recursos colocados pelos próprios congressistas. Hoje, por satélite e georreferenciamento, é tudo fácil”, disse.

Grilagem

O grupo que se opõe à autodeclaração acredita que o arranjo jurídico que Nabhan sugere para viabilizar a regra pode gerar mais conflitos, uma vez que os documentos poderiam ser fraudados. Nesta situação, uma terra grilada, por exemplo, poderia ser considerada regular.

Para opositores à ideia, o apoio de Bolsonaro à medida é semelhante ao que ocorreu com a promessa de perdoar dívidas do Fundo de Assistência do Trabalhador Rural (Funrural). Mesmo com aval do presidente, ambas pararam quando esmiuçadas em discussões técnicas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.