Ao ser recebido com pompa de superministro, o ex-juiz federal Sergio Moro achou que estava preparado para lidar com a política feita em Brasília. Mas passados quase 80 dias no cargo, o titular do Ministério da Justiça e Segurança Pública percebeu que a Lava Jato não passou de um estágio perto do que iria encontrar na capital federal. A prática no centro nevrálgico do poder é bem diferente, por ser eminentemente fisiológica. Não basta apenas ser técnico e possuir bons antecedentes. É preciso engolir a seco algumas coisas. Como foi o caso da criminalização do caixa dois. Forças políticas obrigaram Moro a retirá-lo do pacote anticrime que enviou ao Congresso. Pior: ele teve ainda de mudar o discurso sobre a prática deletéria que embasou muitas operações da força-tarefa de Curitiba, da qual era o líder: “Caixa dois não é corrupção. Existe crime de corrupção e o crime de caixa dois”, reverberou um constrangido Moro ao tentar explicar por que mudou a concepção. Mas esse não foi o seu maior dissabor à frente do ministério nesses dois meses e meio. O ministro foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro a nomear uma cientista política de sua confiança para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

O caso ficou conhecido em Brasília como o recuo na nomeação de Ilona Szabó. Numa queda de braço com as redes sociais, Moro acabou levando a pior. Ao demonstrar a intenção de nomear a especialista em segurança pública e diretora do Instituto Igarapé para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, internautas ligados à plataforma eleitoral de Bolsonaro torceram o nariz. Eles reclamavam que Ilona tinha posições contrárias às pautas de Bolsonaro, como a flexibilização da posse e do porte de armas e por suas posições a favor do aborto. Diante da grande agitação dos internautas, o presidente ligou para Moro e vetou a indicação. O ministro ainda retrucou, no sentido de tentar demover Bolsonaro. Em vão. A uma pessoa próxima, Moro desabafou: “acendeu a luz vermelha”. Segundo esse interlocutor, ele se referia à impossibilidade de nomear Ilona, mas não no sentido de pedir para sair do cargo, como se comentou na capital federal após o episódio. Na sexta-feira 1, circularam boatos de que Moro poderia deixar o ministério. “Nenhuma verdade nisso”, confidenciou Moro a amigos.

“Caixa dois não é corrupção. Existe crime de corrupção e o crime de caixa dois” Sergio Moro, ministro da Justiça, ao explicar por que mudou a concepção em relação à tipificação do crime

Entre os políticos do Congresso Nacional, circula a versão de que foi o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, quem capitaneou o movimento nas redes sociais contra a nomeação de Ilona. Flávio atribui ao grupo de Moro, que detém a chave do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o vazamento do relatório com as movimentações suspeitas envolvendo o senador e seu ex-assessor no tempo de deputado estadual na Assembléia do Rio de Janeiro Fabrício Queiroz. Ainda na sexta-feira, ele postou uma crítica à nomeação. Questionava o fato de Ilona aceitar fazer parte de um governo que ela criticou: “É muita cara de pau junto com uma vontade louca de sabotar, só pode”.

De acordo com fontes ministeriais, Moro decidiu engolir a seco a determinação de Bolsonaro. Embora tenha ficado chateado com o chefe, o ministro tratou de jogar panos quentes no assunto. Para ele, o cargo para o qual Ilona seria nomeada era de pouca relevância, uma vez que ocuparia a vaga de suplente no conselho. Mas as mesmas fontes próximas a Moro garantem que a serenidade do ex-juiz pode acabar caso o projeto anticrime encaminhado ao Congresso não seja tratado como prioridade. A matéria foi apresentada em fevereiro. Antes, o próprio Sergio Moro se reuniu deputados da Frente Parlamentar de Segurança Pública da Câmara para explicar as principais mudanças na lei e outras proposições. Assim como a Reforma da Previdência, o projeto de Moro ainda não caminhou na Câmara. A porta de entrada será a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mas é provável que a matéria só passe a ser analisada depois de votada a reforma da Previdência. O governo já adiantou que vai priorizar as mudanças nas regras de aposentadoria.

Ele queria menos armas

Aos poucos, Moro vai se desnudando da toga e vestindo o uniforme da política. Isso pode ser conferido no decreto das armas. Enquanto a mídia classificou como uma derrota do ministro, que defendia autorização de duas unidades para cada cidadão, mas acabou prevalecendo a vontade de Bolsonaro, que liberou a autorização para compra de quatro por pessoa, ele tratou de dar um tom de naturalidade para a discussão. Resta saber até quando vai a capacidade e a paciência do ex-juiz de viver na sombra do descaso.