Em discurso na Assembleia Geral da ONU, presidente denuncia "ataques à soberania" do Brasil e sanções dos EUA, além de classificar ações de Israel em Gaza como "genocídio".O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou seu discurso de abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (23/09), para criticar duramente o que chamou de "ataques à soberania" brasileira, numa fala direcionada ao governo dos Estados Unidos. O discurso ainda incluiu críticas a Israel.
"Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela", disse Lula, sob aplausos dos presentes na reunião na sede da ONU, em Nova York.
Pouco antes, Lula denunciou o que chamou de “política do poder", que vem tomando o lugar do multilateralismo.
"Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra. Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia", disse.
Enquanto os discursos anteriores de Lula na ONU, em 2023 e 2024, focaram na mudança de rumo da diplomacia brasileira, que voltou a favorecer multilateralismo após os quatro anos de isolacionismo do governo Jair Bolsonaro, a fala do presidente em 2025 teve como destaque recados aos EUA e Israel.
A fala de Lula neste ano ocorre em um momento particularmente tenso para a diplomacia brasileira. A viagem de Lula a Nova York é a primeira aos EUA desde que a Casa Branca sob Donald Trump impôs um tarifaço punitivo a exportações brasileiras e sanções a membros do governo e do Supremo Tribunal Federal (STF), em retaliação ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro na esteira de uma tentativa de golpe.
Lula abordou diretamente as sanções e as tentativas de interferência no Judiciário brasileiro, mas sem mencionar nominalmente os EUA ou Bolsonaro, embora o recado tenha sido claro.
"Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra as nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade", disse Lula.
"Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. (…) Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas. Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis", disse Lula.
Historicamente, cabe ao Brasil abrir os discursos na sessão plenária da Assembleia Geral. Na sequência, o próximo a discursar é o ocupante da Presidência dos EUA. Dessa forma, essa foi a primeira vez que Lula e Donald Trump estiveram no mesmo ambiente desde o início da tensão entre Washington e Brasília. Lula discursou após a presidente da Assembleia Geral, a ex-ministra do Exterior alemã Annalena Baerbock, e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Situação do Oriente Médio e críticas a Israel
Lula ainda abordou o conflito no Oriente Médio, incluindo a guerra entre o Hamas e Israel em Gaza. Assim como já havia feito em 2023, ele criticou a conduta israelense na região, chamando as ações de "genocídio" e alertando que a população palestina "corre o risco de desaparecer".
"Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza", disse Lula.
"Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente. Expresso minha admiração aos judeus que, dentro e fora de Israel, se opõem a essa punição coletiva. O povo palestino corre o risco de desaparecer. Só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional", completou Lula.
No momento, as relações entre Israel e Brasil também têm sido marcadas por tensão. Israel declarou Lula persona non grata e rebaixou as relações diplomáticas com o Brasil, após intensas críticas do governo brasileiro sobre Gaza. O Brasil também se uniu a África do Sul na ação que acusa Israel de genocídio nas ações militares no território palestino.
Lula também criticou a ausência da liderança palestina na Assembleia Geral da ONU, lamentando que os EUA tenham negado vistos para que representantes dos territórios palestinos comparecessem à reunião.
Regulação de redes
Lula também abordou o tema da regulação das redes, como havia feito nos discursos de 2023 e 2024.
"As plataformas digitais trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado. Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. A internet não pode ser uma ‘terra sem lei’. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual", disse Lula.
"Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia”, prosseguiu Lula
Lula também mencionou que seu governo enviou ao Congresso Nacional projetos de lei para fomentar a concorrência nos mercados digitais e incentivar a instalação de datacenters sustentáveis.
"Para mitigar os riscos da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o Pacto Digital Global aprovado neste plenário no ano passado", disse.
Guerra da Ucrânia
Lula também abordou a guerra de agressão que a Rússia trava contra a Ucrânia, que já se estende há mais de três anos e reiterou uma proposta de mediação;
"No conflito na Ucrânia, todos já sabemos que não haverá solução militar", disse Lula. Na sequência, Lula fez um aceno tanto a Trump quanto o líder russo Vladimir Putin, que recentemente se reuniram no estado americano do Alasca.
"O recente encontro no Alasca despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista. Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes. A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos da Paz, criado por China e Brasil, podem contribuir para promover o diálogo", disse Lula.