Na Nicarágua, as autoridades estão usando grupos paramilitares, as chamadas “turbas sandinistas”, para reprimir os protestos contra o governo de Daniel Ortega, assinalou nesta terça-feira (29) a organização de direitos humanos Anistia Internacional (AI).

“Reprimem a população civil com armas semiautomáticas e protegidos pela própria polícia”, declarou a diretora da AI para as Américas, Erika Guevara-Rosas, sobre a reação do governo às manifestações contra Ortega e seu partido Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), que desde 18 de abril deixam ao menos 87 mortos.

A AI apresentou nesta terça em Manágua o relatório “Disparar para matar. Estratégias de repressão dos protestos na Nicarágua”, sobre o qual Guevara-Rosas falou com a AFP.

– A AI havia advertido em 2016 sobre uma “piora” em termos de direitos humanos na Nicarágua. O que encontrou agora?

Uma resposta violenta e repressiva das autoridades ao descontentamento popular, que tem características preocupantes, como o uso de grupos paramilitares e parapoliciais, chamados de “turbas sandinistas”, para desincentivar o protesto e punir as vozes contrárias ao governo. Não é a primeira vez que Ortega faz um uso excessivo da força contra manifestantes. A repressão tem sido o denominador comum na luta dos camponeses contra o projeto do canal interoceânico, mas nunca havíamos documentado uma situação de violência tão radicalizada com grupos que claramente estão em conluio com as autoridades do Estado. Reprimem a população civil com armas semiautomáticas e protegidos pela própria polícia. É preocupante porque estão gerando situações de violência extrema e nenhuma investigação os levou à justiça.

– Por que a situação está pior agora?

Atribuímos isso a um maior descontentamento social por medidas que afetam e vulnerabilizam o exercício dos direitos fundamentais. Os estudantes, inclusive antes do projeto de reforma do seguro social que gerou esses protestos, já expressavam um descontentamento com políticas econômicas e sociais, limitações à liberdade de expressão, maior censura da mídia, perseguição de defensores dos direitos humanos e controle absoluto do Estado de organizações da sociedade civil.

– Ortega também perdeu o apoio dos empresários.

Sem dúvidas. As políticas também começaram a atentar contra os interesses econômicos dos empresários, que se distanciaram. É certo que o regime de Ortega se manteve por um apoio de setores que se beneficiaram. Mas hoje as comunidades marginalizadas, que antes davam apoio direto a Ortega, também mostram sua inconformidade.

– O relatório da AI assinala um “retrocesso” aos piores momentos da história da Nicarágua.

Infelizmente vemos esse paralelismo perverso, no qual um presidente que nos anos 1980 lutou contra a ditadura de (Anastasio) Somoza hoje é o líder que empreende uma política sistemática de repressão violenta contra a cidadania que se manifesta contra ele. A situação piora a cada dia.

– O que a AI recomenda?

O Estado deve assumir a responsabilidade por esses atos. É fundamental que cumpra com seus compromissos assumidos na visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que fez 15 recomendações claras e concisas. Também é necessário permitir o estabelecimento de uma comissão de especialistas independentes para fazer uma investigação imparcial e livre de todas as graves violações aos direitos humanos e leve à justiça os responsáveis em todos os níveis.

– O que a comunidade internacional deve fazer?

A próxima Assembleia Geral da OEA (em 4 e 5 de junho) deve discutir essas situações. Existem mecanismos regionais para fazer com que a Nicarágua preste contas e encaminhar soluções pacíficas e duradouras. Deve haver um posicionamento da comunidade internacional, que ainda é muito morno.

– Existem semelhanças com os protestos contra o governo na Venezuela?

Não apenas entre Nicarágua e Venezuela, que podem ser identificados com um tom político similar. Na região há um paralelismo na resposta repressiva e violenta do Estado ante o descontentamento social. Vimos em Honduras, onde após as eleições de 2017 houve mais de 30 mortos em manifestações e ainda há detidos arbitrariamente. Vimos também na Argentina, com repressão violenta de manifestações contra a reforma do seguro social. Não vemos um componente ideológico nos governos frente a atitude de resposta violenta, mas um paralelismo que, sem importar o tom político, acaba com um resultado similar.