Como fazer para investigar seu chefe? Leandro Daiello, ex-diretor-geral da Polícia Federal (PF) nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), já respondeu privadamente a essa pergunta incontáveis vezes. Não esperava que um dia ela lhe fosse feita em público. Menos ainda que isso acontecesse dentro de uma das empresas que seus antigos subordinados investigaram. Ou que o objetivo de quem lhe indagasse fosse o de aprender como combater a corrupção.

Na tarde de ontem, Daiello falou na sede da J&F, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Participava do 1.º Encontro de Compliance – programa de integridade – promovido pela empresa, que busca se afastar do passado e evitar problemas no futuro. “Estava bom demais esse convite”, brincou Daiello ao começar a sua resposta depois de ouvir a pergunta.

Disse, então, o delegado: “No setor público, você usa a estrutura criada para cumprir a lei, pois a Polícia Federal é legalista. Você faz o que a lei manda com os instrumentos que ela lhe dá. A grande blindagem é ser legalista”. Daiello prosseguiu contando a importância de se criar “uma geração de servidores legalistas, republicanos”. “O mesmo deve ser na iniciativa privada. É preciso ser legalista, previsível, ter um padrão.”

A plateia ouviu atenta. A pergunta havia sido formulada pelo diretor de compliance da J&F, Emir Calluf Filho. “Não podia perder a oportunidade”, afirmou Calluf Filho. O executivo chefia 40 pessoas e cuida de um orçamento de R$ 50 milhões. Parte desse dinheiro é gasta com investigações no grupo. Em 2014, a holding gastava menos de R$ 1 milhão com o setor. Em 2016, foi alvo de ação da PF. Depois, a empresa firmaria seu acordo de delação e Joesley gravaria o presidente Temer no Jaburu. Hoje, ele aguarda o desfecho dos processos na Justiça

Três anos depois, a chegada de Daiello à sede da J&F, em São Paulo, não despertou apreensão ou corre-corre. O ex-diretor da Federal entrou no prédio de fachada de vidro na Marginal do Tietê, na zona oeste, por volta das 14 horas. Em vez de agentes, estava acompanhado de seus novos colegas: advogados. Aposentado da polícia, Daiello agora é advogado e trabalha com compliance e análise de risco para o escritório Walfrido Warde advogados. Estava ali para dar uma palestra.

Além dele, diretores de compliance de empresas como Oi e Odebrecht, professores, executivos de organizações da sociedade civil e de empresas de tecnologia que atuam na área participaram do evento para discutir o combate à corrupção. “O compliance é uma das barreiras que cabem ao privado fazer contra a corrupção. Esse é um processo que está amadurecendo”, disse Daiello.

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Trata-se de um caminho com percalços. Para o professor Sebastião Tojal, da Faculdade de Direito da USP, há uma crença no País de que se pode alterar as coisas só por meio de leis e decretos. “Não vai dar certo. Não é na lei que mora o problema.” Segundo ele, o “ambiente de risco para os executivos” permanece no País. “É preciso construir relações com confiança”, afirmou Caio Magri, diretor do Instituto Ethos. A palestra terminou com um Calluf Filho sorridente. Estava contente com a resposta de Daiello. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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