Prédios explodindo durante a noite provocam um efeito visual e tanto. Vendo pela tela do celular, fica fácil esquecer que ali moram pessoas de verdade."Todos devem deixar Teerã imediatamente!" A frase alarmante foi dita por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, nesta segunda-feira (16/06), em meio à escalada do conflito entre Israel e Irã. Isso é assustador, já que a capital iraniana é uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes e estamos falando de pessoas, e não de uma partida do jogo War.
Mas esse tom apocalíptico e ameaçador tem sido dominante por todos os envolvidos no conflito, que começou na sexta-feira, com ataques de Israel ao Irã e segue em umaescalada perigosa para o mundo inteiro.
Os "senhores da guerra" ameaçam uns aos outros com falas que parecem ter saído de filmes fantasiosos ou de jogos de guerra. "As portas do inferno em breve vão se abrir", ameaçou, na última sexta-feira o novo comandante da Guarda Revolucionária, força ideológica das Forças Armadas do Irã, Mohammad Pakpour. "Se Khamenei continuar lançando mísseis contra a frente interna israelense, Teerã vai arder", disse, no último sábado, o ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, confirmando o tom apocalíptico do conflito.
Quando lemos ou ouvimos essas frases ou assistimos pelo celular mísseis voando de um lado para o outro como se fosse uma cena de um filme de batalha intergaláctica, até nos esquecemos que essa é uma conflito de verdade, com vítimas fatais. Os prédios explodindo durante a noite provocam um efeito visual e tanto. Vendo pela tela do celular fica fácil esquecer que ali moram pessoas de verdade, de carne e osso.
Muita gente parece ignorar a existência de pessoas nas áreas afetadas pelo conflito nos últimos dias e, nas redes sociais, gritam como se fosse um jogo de futebol: "Vou beber um copo de cerveja para cada prédio que o Irã derrubar". "Vai, Israel, pega o míssil, gol!!!", escreve outro, comentando a interceptação de um míssil pelo Domo de Ferro, sistema antimísseis de Israel.
Entendo que boa parte das pessoas do mundo estejam revoltadas com as ações do governo israelense em Gaza. Compartilho desse sentimento. É inaceitável que tantas pessoas inocentes morram e que a fome, em pleno 2025, mate crianças. Mas condenar essas ações do governo de Israel não justifica achar "divertido" ver prédios onde moram civis queimando. É óbvio que o mesmo vale para aqueles que torcem pela destruição do Irã. Não devemos torcer para que civis morram. Quando esquecemos uma coisa tão básica?
Guerra é entretenimento?
Não tem nada de lúdico em uma escalada militar. Mas, em tempos de redes sociais, guerra é, mais do que nunca, um entretenimento, por mais esquisito que isso possa ser. Eu mesma, confesso, passei as últimas noites dormindo tarde, e obviamente mal, com dificuldade de desligar o celular e checando a cada minuto informação de bombardeios no X, o antigo Twitter. Depois de três dias de conflito, me obriguei a parar. Ver tudo, em tempo real, não é nem um pouco saudável.
Vendo o conflito em rede social lembrei da primeira vez que uma guerra foi exibida realmente ao vivo na TV. Falo da guerra do Golfo, em 1990, quando a CNN passou a exibir os conflitos do "front". Assistir a guerra virou uma febre. Agora, o "entretenimento" é um pouco diferente, já que vemos e interagimos o tempo todo. De alguma maneira, podemos sentir que, da nossa maneira, torcendo e conversando nas redes sobre os bombardeios "participamos" do conflito.
Os senhores da guerra dos dois países também se adequam aos novos tempos e usam as redes sociais para fazer propaganda e com linguagem "jovem". "Absolutamente insano! Veja os impactos em Tel Aviv na noite passada!": Essa mensagem, junto com um emoji de foguinho, foi publicada em um perfil no X chamado Iran Military, que em seu perfil promete "updates da República do Irã e das Forças Armadas". O perfil usa muitas imagens de foguetes, que parecem geradas por inteligência artificial, para ilustrar mensagens do tipo: "A melhor parte virá quando o sol se pôr, fique ligado", junto a um emoji de pipoca. A postagem tem milhares de compartilhamentos.
"Eles nunca quebrarão os nossos espíritos. Nós reconstruiremos. Nós prevaleceremos", dizia uma postagem acompanhada de uma foto de um prédio destruído publicada na página oficial do governo de Israel no X.
Como comentou uma pessoa na rede, tudo isso ainda vai ser estudado nos livros de história.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.