A Lenda
• Estátua do rei Arthur (acima) em Innsbruck, na Áustria
• Ferido, Arthur foi se recuperar na Ilha de Avalon
• Há um túmulo para Arthur e Guinevere na Abadia de Glastonbury, em Somerset, na Inglaterra, de corpos encontrados por monges em 1191, com uma cruz de chumbo e os nomes dos dois (Crédito:Divulgação)

Mito ou realidade, o rei Arthur atravessou séculos em aventuras registradas por autores de livros, peças teatrais, pinturas, esculturas, filmes, gibis, séries de TV e games. A primeira menção ao personagem é de 830 e está no Historia Brittonum, encomendada por Merfyn, rei de Gwynedd, hoje território do País de Gales. O autor, um monge chamado Nennius, descreve Arthur não como um rei, mas como um guerreiro que liderou o exército bretão em 12 batalhas, vencendo os saxões. Ainda se desconhece sua verdadeira natureza: pode tratar-se de um personagem criado com histórias reunidas de vários cavaleiros, ou ele de fato existiu na virada dos séculos V e VI. Pouco importa para o imaginário popular, que o consagrou como legítimo representante dos valores da cavalaria medieval: bravura, bondade, sabedoria e justiça.

De acordo com a lenda mais consagrada, eram 12 os valorosos cavaleiros que se reuniam à volta da távola redonda do rei Arthur, mas esse número pode ir da centena ao milhar, na variação de registros histórico-literários ou mitológicos que são esmiuçados há centenas de anos por estudiosos. E a descoberta de 65 túmulos datados entre os séculos V e VI, anunciada em março, veio mostrar por onde andavam esses cavaleiros britânicos entre o fim do domínio romano (do ano 43 ao 410) e os últimos reinos anglo-saxões (germânicos bárbaros). Esse período é justamente aquele em que o rei Arthur teria vivido.

Luz na escuridão

Ao estudo apresentado neste mês no “Journal of the Royal Society of Antiquaries of Ireland” pelo professor Ken Dark, especialista em Arqueologia e História, que agora leciona na Universidade de Navarra (Espanha), seguiu-se a localização de 20 complexos funerários onde nobres daquele tempo estão enterrados. Estão em áreas que foram habitadas por bretões e celtas depois da ocupação dos romanos, nos condados de Somerset e Cornualha, no oeste da Inglaterra, ao sul do País de Gales. Lá estariam os primeiros reis e rainhas britânicos, príncipes e princesas da época do rei Arthur, em túmulos preservados até hoje, possivelmente por não estarem acompanhados de tesouros.

As histórias mais replicadas do “Rei Arthur e os 12 Cavaleiros da Távola Redonda” ressaltam atos heroicos, mas nem tudo remete a causas “honrosas”. Conta-se que o rei Uther Pendragon se apaixonou por Igraine, mulher do duque de Garlois, e desse encontro teria nascido Arthur, levado a outra corte sob os cuidados do mago Merlin. Com a morte de Pendragon, o reino se dissolvia, até que o jovem Arthur consegue arrancar uma espada (a Excalibur) cravada em uma bigorna e se torna rei, conforme uma profecia, com batalhas vencidas sobre príncipes insurgentes e invasores saxões na Bretanha.

“As sepulturas fechadas vêm dos romanos. Por isso, estão na Grã-Bretanha, que era parte do Império Romano, mas não na Irlanda” Ken Dark, professor de Arqueologia (Crédito:Divulgação)

Leodegrance de Cameliard, pai da princesa Guinevere e sogro de Arthur, foi quem deu a mesa redonda como dote ao rei, que seria instalada no Castelo de Camelot. Duas vezes por ano os 12 mais valorosos cavaleiros do reino se reuniam em torno dela para contar suas aventuras, de acordo com o “Roman de Brut”, livro do poeta Wace já do século XII. Nesse meio tempo, Guinevere, mulher de Arthur, imitou a sogra e teve um romance com Lancelot, um dos cavaleiros da távola redonda, que viveu o dilema entre a lealdade e a traição ao rei.

A princesa, condenada à fogueira, foi salva pelo amante, tornando-se freira. Lancelot, por sua vez, foi perseguido por Arthur, que nunca chegou a derrotá-lo. Esse romance teria destruído o reino.

Para o professor Ken Dark, Arthur existiu — como rei ou herói fictício, supostamente britânico e cristão —, porque no século VI houve um aumento na preferência de Arthur para nome dos meninos de famílias nobres britânicas e irlandesas. Sua mais recente pesquisa partiu de um mistério: o registro de muitos reis, mas a ausência dos túmulos correspondentes. Até então, se conhecia apenas um jazigo de rei daquele período, Catamanus ou Cadfan em galês, na verdade com essa referência por ter sido monge. Então se passou ao trabalho arqueológico em centenas de cemitérios no oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda. Daí a identificação de 20 locais de sepultamento de reis, rainhas, príncipes e princesas da época.

Para os nobres bretões (cristãos), enterros dispendiosos e ornamentados (como dos anglo-saxões) eram costumes pagãos. Por isso, os túmulos sem nomes, inscrições ou riquezas foram encontrados em meio aos de pessoas comuns (às vezes somente delineados por valas ou cercas de madeira, que apodreceram). O achado de Ken Dark ganha importância na tentativa de se compreender sociedades das quais as informações ainda são bem obscuras, porque divididas pelo punhado de reinos que àquela época compunham o território da atual Grã-Bretanha.