O deputado federal Eduardo Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia mobilizaram nos últimos dias suas redes sociais contra a marca de cosméticos Natura.

O filho 03 do presidente e o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo se ofenderam com o fato de a campanha de Dia dos Pais da empresa ter entre os seus personagens o transgênero Thammy Miranda.

“É uma afronta aos valores cristãos”, escreveu Malafaia, que incentivou seus seguidores a  deixar de comprar produtos da Natura.

Eduardo Bolsonaro se sentiu violentado – como se quisessem obrigá-lo a engolir alguma coisa. “Mulher como garoto propaganda do Dia dos Pais. Depois homem para o Dia das Mães… E quem falar o contrário já sabe né? É gado, é pessoa raivosa, discurso do ódio e fake news. Assim vão te calando e empurrando goela abaixo uma conduta totalmente atípica para padrões brasileiros.”

Como é impossível sequer tocar numa polêmica como essa sem deixar clara qual a sua posição, não vou fugir do assunto. Acredito que tanto questões de gênero e sexualidade quanto questões de crença religiosa dizem respeito ao mais profundo fundo da identidade das pessoas. Por isso, não devem estar sujeitas a regras impostas por terceiros. O direito à liberdade religiosa já foi garantido há séculos nas democracias. Só em países onde Estado e Igreja ainda se confundem cidadãos são perseguidos por suas crenças. Da mesma forma, as democracias precisam caminhar para que haja liberdade de expressão de gênero e sexualidade.

Dito isso, gostaria de abordar a história por outro ângulo: o do marketing.

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São menores do que zero as chances de a Natura ter lançado sua campanha sem calcular os riscos das reações adversas. Sabidamente, a empresa trabalha sua comunicação de marca com o máximo de ciência disponível nesse campo, ou seja, consulta antropólogos, faz pesquisas, testa cada peça e cada passo. Não faz nada verificando apenas qual a direção do vento.

Tocar em um tema espinhoso como a transexualidade tem grande probabilidade de afastar consumidores. Quem sabe, motivar um boicote convocado por um pastor… Se a empresa ainda por cima for vista como oportunista e lacradora, o desastre está completo. A estratégia só funciona se o movimento for visto como natural, parte de uma história consistente. Aí a imagem se fortalece e os laços com quem já interage com a marca se estreitam. O nome desse jogo é “autenticidade”.

A Natura é uma das empresas brasileiras mais bem preparadas para navegar nessas águas. Há anos a Natura ela vem abordando os temas da diversidade e da inclusão em sua publicidade. Já falou de velhice, ainda um tabu para quem fabrica cosméticos. Já pôs lésbicas em um anúncio. Agora, um trans. Além disso, tem uma política de diversidade consistente também no RH. No final de 2019, foi a única brasileira a constar de um ranking das empresas de capital aberto mais inclusivas do mundo. Ficou em quarto lugar numa lista de cem.

A Natura sabia que sua publicidade poderia chocar. Ela chocou, e a empresa certamente não está muito preocupada. Ela mandou uma mensagem consistente sobre o que é e o que faz.

Pensando bem, não é muito diferente daquilo que Eduardo Bolsonaro e Silas Malafaia conseguem com seus tuítes indignados. Eles sabem que vão chocar o público liberal – e também que vão ganhar pontos com seu eleitorado conservador. Também fazer um cálculo de custo e benefício.

Tudo é estratégia. Tudo é imagem.


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