Eles são hoje o único grupo de brasileiros no único continente livre da covid-19. São dezesseis militares da Marinha do Brasil – 15 homens e uma mulher – que desde janeiro ocupam a nova Estação Antártica Comandante Ferraz. Escolhidos para a missão de passar 13 meses na Antártida muito antes de o novo coronavírus surgir na China, eles se dividem entre o alívio de estar longe da doença e a preocupação de ter de acompanhar a distância o que ocorre com parentes e amigos no Brasil.

“É uma mistura de sentimentos”, resume o capitão de fragata Luciano de Assis Luiz, chefe da estação. “Fico alegre por mim e por minha equipe porque somos privilegiados por não ter contato com a doença, mas triste porque nossos familiares estão no Brasil vivendo isso e não temos como dar o aporte necessário.”

Luciano falou com o Estadão por videochamada na terça-feira da semana passada. Estava ao lado da médica e capitã-tenente Letízia Aurilio Matos. Ela conta que os pais são idosos e saíram do Rio por causa da pandemia. Uma prima – médica como ela – testou positivo para a covid-19 e está se tratando em casa.

“Não é fácil não”, resume. “Ficar longe gera ansiedade. Mas a gente pede para a família falar a verdade. Está todo mundo bem realmente? Marco horário, faço reunião pelo computador e digo ‘quero ver tal e tal pessoa’. Porque às vezes eles querem nos proteger, dizer que está tudo bem, mas só ficamos aliviados quando vemos todo mundo. A gente se preparou para o isolamento, eles não.”

Os 16 militares brasileiros na Antártida compõem o chamado Grupo Base Ferraz. Eles desembarcaram na Ilha Rei George, onde fica a estação brasileira, em 4 de novembro de 2019 com a missão de permanecer ali até a primeira quinzena de dezembro deste ano. Ocuparam, a princípio, o Módulo Antártico Emergencial (MAE) até a inauguração oficial da estação, em 15 de janeiro.

O maior desafio é atravessar o inverno, quando a sensação térmica cai a menos de 20 graus negativos, a escuridão cobre 20 das 24 horas do dia e os mares em volta da estação congelam. De meados de março, quando os dois navios da Marinha que viajam para a região vão embora, até novembro, quando as embarcações retornam levando militares e pesquisadores, eles permanecem isolados.

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Neste ano, por causa da covid-19, estão tendo de viver um isolamento dentro do isolamento. Em épocas normais, são comuns, por exemplo, as visitas à Estação Polonesa Henryk Arctowski, a mais próxima da base brasileira, distante cerca de nove quilômetros. Mas agora, por causa da pandemia, o contato com os vizinhos é só por vídeo ou WhatsApp. “Ninguém aqui ou lá apresentou sintomas do vírus. Mesmo assim, estamos mantendo o isolamento”, explica Luciano. “É lógico que, caso tenha necessidade de salvar uma vida ou de mantimentos, por exemplo, algo que afete a estadia na Antártida, teremos contato com eles, mas por precaução estamos deixando essa possibilidade apenas para algum caso de emergência.”

Outra missão extra causada pela pandemia deverá ser a desinfecção dos produtos atirados pelos Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB) durante o inverno. Como não é possível pousar na estação brasileira, o cargueiro voa periodicamente sobre ela nos meses mais frios do ano e despeja palets com produtos perecíveis e outro itens de necessidade. Para evitar que o vírus chegue até a estação por meio desses carregamentos, foi criado um protocolo de limpeza de todo o material desde a origem, no Rio, bem como dos compartimentos do avião. Já em solo antártico, o grupo base reforçará a desinfecção para que o vírus não atinja o último continente ainda livre de contágio. Ainda não há data prevista para o primeiro voo.

Outro cuidado deverá ser com a tripulação dos navios quando as viagens marítimas forem retomadas, no fim de 2020. Segundo o chefe da Comandante Ferraz, todos terão de fazer exames para ver se têm o novo coronavírus, assim como os integrantes do grupo base que substituirá o atual. “Nós estaremos há 13 meses isolados e nossa imunidade, querendo ou não, estará mais baixa para qualquer outro vírus. Então é importante que esses exames sejam feitos antes de eles virem para cá”, afirma Luciano.

Dependendo da evolução da pandemia no Brasil, até a próxima Operação Antártica Brasileira (Operantar) pode ser afetada. “Caso seja encontrada uma vacina, uma cura, a Operantar poderá seguir sua programação normal. Mas, se fosse pegar a situação atual e levar para o final do ano, eu diria que a nossa operação será basicamente logística, de aporte de mantimentos e combustível para estação, mas reduzindo bastante as pesquisas”, diz o oficial. “Porque muitas pesquisas são realizadas nos navios e quanto mais pessoas no navio pior.”

Nem o frio que afasta tantos microrganismos da Antártida promete ter efeito sobre a doença. Letizia conta que pesquisas já identificaram outros vírus, como o H1N1, em fezes de aves na região. E ainda não é possível saber o estrago que a covid-19 poderia fazer por lá. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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