Ela não para de falar russo à minha frente. É gostosa e fala alto e eu não me consigo concentrar. Eu não falo russo, então não entendo nada. Mas gosto de ouvir. O que será que ela fala?

Duas mesas ao lado um grupo de três meninos empreendedores, ainda mais jovens que a jovem russa, discutem em inglês quais os prós e os contras de abrir uma empresa em Amsterdã.  Eu entro na conversa, falo que sei tudo sobre tulipas, canais e inovação, troco com eles um cartão de visita e volto a olhar fixamente para a tela branca do laptop.

Um pouco mais atrás dois brasileiros falando inglês – há muitos na Europa agora –  discutem com agito sobre os detalhes “varejísticos” da importação de frutas tropicais para a Europa. A muvuca é tão grande que eu penso que a fruta vai até estragar. Fico com pena dos açaís.

À minha esquerda, uma venezuelana anti-Maduro (será por causa da fruta?) fala baixinho com um sotaque estranho de algum lugar entre Caracas e Atlanta. Ser neta de português lhe deu a Europa de presente. Tem mulher com sorte!
Lisboa. Portugal. Semana antes da páscoa. Não tem um único português no Ávila Spaces, um cowork de luxo no centro da capital portuguesa. Só tem eu, que não me consigo concentrar na escrita com esta babel à minha volta. Os escritórios partilhados são hoje um ponto de encontro único para cultura e talento. Estão transformando o mundo empresarial e as relações de trabalho entre as pessoas.

Não consigo me concentrar e reclamo da sorte por ter esquecido os fones. Até porque hoje estava querendo escrever sobre como é diferente a solidariedade do mundo quando um furacão anunciado mata crianças na terra pobre de Moçambique, ou um incêndio inesperado acaba com uma catedral histórica de Paris. Pensei também em falar sobre o regresso da censura ao Brasil. Mas este bafulê à minha volta zerou minha criatividade.

Também não consigo escrever que não compreendo porque fica mais fácil ser solidário com paredes que caem do que com crianças que morrem, e nem consigo articular uma consistência sobre este país onde o vice-presidente militar defende a liberdade de imprensa quando os juízes a condenam. Deve ser da muvuca no cowork.
Assim não dá! Vou chutar o pau da barraca. Sambarilove.

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