Músicos mostram que menos pode ser mais no Bourbon Festival Paraty

Banda de um homem só e trios são destaques no segundo dia do evento no litoral fluminense

O Amaro Freitas Trio se apresenta no Palco Matriz
O Amaro Freitas Trio se apresenta no Palco Matriz Foto: Fotos Edson Franco

Pouco músico pra muito resultado. Esse é o resumo das sensações que o Bourbon Festival Paraty 2025 deixou em seu segundo dia. Apesar de apresentações com grupos numerosos terem acontecido ao longo do sábado, dia 14, shows com no máximo três músicos concentraram as atenções.

A começar por uma banda de um homem só. Com um pé no bumbo, outro na caixa, guitarra nas mãos e gaita à altura da boca, Vasco Faé foi juntando gente no Palco Quadra. Inicialmente, as pessoas pareciam atraídas pelo aspecto quase circense da performance. Mas logo se deixaram seduzir pela sonoridade plena que ele conseguiu extrair do seu kit.

O guitarrista Vasco Faé no Palco Quadra (crédito: Edson Franco)

O guitarrista Vasco Faé no Palco Quadra

Reconhecido como um dos grandes da guitarra blueseira e roqueira do Brasil, Faé desfilou por estilos com os quais está familiarizado. Mergulhou “Black Night” – clássico do grupo de rock britânico Deep Purple – nas águas do Mississippi e eletrificou “You Gotta Move”, cânone do blues composto por Fred McDowell (1904-1972).

Faé saiu da zona de conforto em vários números do seu show. Usando o máximo de sutileza que o equipamento permitia, produziu uma versão para dançar juntinho de “Can’t Help Falling in Love”, sucesso na voz de Elvis Presley. No momento mais ousado, dispensou orquestra e backing vocals para uma versão de “Eleanor Rigby”, clássico dos Beatles composto por John Lennon e Paul McCartney e que conta com um arranjo elaboradíssimo no original.

Surpresa polonesa

Historicamente, trios liderados por um organista que saiba pilotar um Hammond são formados por tecladista, baterista e guitarrista. No caso do Latorre, Krzeminski, Skolik Hammond Trio, a guitarra dá lugar ao trompete. Dos três membros que dão nome ao grupo, só o primeiro é nascido no Brasil. Trata-se do organista Daniel Latorre. O baterista Arek Skolik e o trompetista Piotr Krzeminski são poloneses.

Com a entrada do trompete, a apresentação dos temas ganha mais definição, que compensa em parte o que se ganharia em harmonia e possibilidades rítmicas com a guitarra. O exemplo mais sintomático aparece em “Streets of Orient”, composição do próprio Krzeminski, que condensou lirismo e significado para dizer com o trompete o que viu e ouviu nas ruas orientais.

O Latorre, Krzeminski, Skolik Hammond Trio no Palco Santa Rita (crédito: Edson Franco)

O Latorre, Krzeminski, Skolik Hammond Trio no Palco Santa Rita

Quase todos os números executados pelo grupo tinham solos dos três instrumentistas, o que fazia com que facilmente as músicas superassem os 8 minutos. O público estirado sobre cangas diante do Palco Santa Rita não pareceu se incomodar com a duração dos temas, pelo contrário. Entre 15h23 e 15h31, sacudiram cabeças, bateram pés e esticaram sorrisos para acompanhar a fusão de bossa nova e jazz que o grupo explorou em “Morning Sun”.

Sem limites

Uma das mais aguardadas atrações do festival, o pianista pernambucano Amaro Freitas e seu trio entregaram o que deles se esperava: muita vibração, riqueza harmônica, virtuosismo a serviço da melodia e redirecionamentos inesperados.

A todo momento parece que o trio vai perder o controle sobre o que acontece no palco. Andamentos pouco comuns que despertam o temor de desandar. Sobre eles são despejadas notas que, num primeiro momento, parecem que não vão conseguir se encaixar no tempo que o ritmo reserva pra elas. Ou seja, é um eterno exercício do risco.

Incitado a acompanhar atentamente o que acontece ali, o público é brindado com um tipo de beleza difícil de definir, mas fácil de absorver. É como ver um cenário maravilhoso estando na beira de um penhasco. Qualquer deslize ou movimento errado pode ser fatal. O trio de Amaro Freitas não escorrega nunca.

O entendimento entre o pianista, o baixista Sidiel Vieira e o baterista Rodrigo “Digão” Braz é quase telepático. Com trocas de olhares e gestos, resolvem toda encrenca harmônica e rítmica que armam para si. Nos sorrisos e abraços ao final da apresentação, deixam claro o quanto de cumplicidade é necessária para chegar a um resultado tão coeso.

Independentemente do repertório tocado (centrado basicamente nos dois últimos álbuns do pianista), o público captou a mensagem. Perto do fim da apresentação, já devidamente seduzida pela musicalidade do trio, a plateia usou voz e luzes do celular para tornar ainda mais mágica a noite. E todos quiseram mais um, tanto quem estava no palco quanto os que permaneceram diante dele.