SOBERANIA Embora tenha o nome marcado na história, Júlio César nunca foi imperador: seu legado é repleto de mistérios e ele foi divinizado graças a Augusto, seu filho (Crédito:Divulgação)

Na antiguidade, faraós e imperadores não mediam esforços para mostrar sua grandeza e poder. Eles queriam marcar o período em que eram praticamente deuses na Terra, pois ser esquecido após a morte era quase uma heresia. Apesar dos esforços da ciência para reescrever o passado, não é de uma hora pra outra, ou no caso, de um século para outro, que mistérios milenares são resolvidos. Nesta semana, a Prefeitura de Roma deu um passo importante na valorização de sua história, ao anunciar reformas nas ruínas do Largo di Torre Argentina, local onde o icônico governante Júlio César foi assassinado no dia 15 de março, em 44 a.C. Deste modo, a “Área Sacra” será uma espécie de museu a céu aberto para homenageá-lo e novos segredos poderão ser desvendados.

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Apesar do turismo ser fundamental para a economia do País, os italianos estão com dificuldades para custear as reformas de suas relíquias. Neste caso, o nome de Júlio César fez a diferença. A obra foi orçada em aproximadamente € 985 mil (R$ 6,7 milhões) e será financiada pela Bulgari, empresa de joias de luxo. A estratégia faz parte de um modelo de negócio que está em alta na Europa: as instituições privadas podem vincular suas marcas aos locais históricos e em troca são aliadas na conservação do patrimônio cultural.

MEMÓRIA Amado e odiado pelo povo, Júlio César é um dos governantes mais famosos de Roma: homenagens em toda a Itália (Crédito:Divulgação)

Embora as ruínas sejam de grande importância, elas quase foram demolidas. Em 1926, o ditador fascista Benito Mussolini articulou um plano de modernização da cidade e durante as obras a área foi achada junto de outros quatro templos milenares. Para os especialistas, valorizar o passado é uma forma de imortalizar a história do País. “Roma tem muitas ruínas, é difícil fazer qualquer obra sem descobrir nada. Eles planejam um circuito turístico bem legal”, diz Julio Cesar Magalhães, historiador da USP. “Ainda temos muitos mistérios sobre a morte de Júlio César.” A morte do político se tornou lendária. Aos 55 anos, Júlio César foi vítima de uma emboscada feita por senadores romanos na Cúria de Pompeu, salão onde aconteciam as reuniões do Senado. Foi golpeado por 23 facadas e deixou um bordão imortal: “Até tu, Brutus, filho meu.” No caso, Marcus Brutus, seu filho adotivo, participou da conspiração temendo que seu pai se autonomeasse rei.

Mina de ouro

Após a morte de César, uma guerra civil tomou conta de Roma. De um lado, os assassinos de César, e do outro, amigos e familiares, como Marco Antônio, marido de Cleópatra, rainha do Egito e o sobrinho Augusto. Ambos disputaram a posição de soberano por anos, mas Augusto se saiu melhor e se tornou o primeiro imperador de Roma. Como uma de suas primeiras ações no trono, ordenou a construção do Templo do Divino Júlio, numa das praças centrais da cidade. Já que o esquecimento era pior do que a morte, se dependesse de Augusto, Júlio César seria imortal. Por isso, além da obra, mandou que a praça onde seu tio foi morto fosse fechada. Curiosamente, agora os especialistas estão conseguindo mais informações sobre o icônico assassinato e, talvez, a história ganhe novos capítulos. “Existe uma mística muito grande em torno da morte, assim como muitas dúvidas”, aponta Magalhães.

“Existe uma mística muito grande em torno dele, assim como muitas dúvidas. Além de valorizar a história, sua imagem atrai turistas” Júlio César Magalhães, historiador da USP (Crédito:Divulgação)

Segundo Virginia Raggi, prefeita de Roma, estima-se que as obras nas ruínas comecem em maio e sejam finalizadas em 2022. Com isso, pela primeira vez em séculos, a população romana poderá visitar o Largo di Torre Argentina. “Certamente é uma das maiores homenagens, se não for a maior feita até hoje”, ressalta Marcos Lima, coordenador do Museu da Obra Salesiana no Brasil (MOSB/Unisal). Em termos financeiros, acredita-se que o faturamento com turismo aumente num futuro próximo. A Bulgari, empresa que financia o museu, está de olho no retorno de marketing que a reforma de construções históricas traz. A empresa investiu mais de € 1,5 milhão (R$ 9 milhões) nas reformas da escadaria de Piazza di Spagna, região badalada por conta das lojas de compra e palácios dos séculos XVII e XVIII. A iniciativa despertou interesse de outras grifes italianas, como Fendi e Tod’s, que passaram a investir milhões em cultura. “Júlio César sem dúvidas foi um dos maiores líderes militares do mundo. Para os italianos, acredito que seja de grande importância criar o museu”, aponta Marcos Lima. Para o público que visita Roma também é uma excelente notícia. Novidades sobre Júlio César são sempre bem-vindas.