Mais de 6,5 milhões de pessoas acompanham Ary Fontoura, 92 anos, pelo Instagram. Parte do conteúdo compartilhado pelo ator que faz sucesso entre os seguidores são vídeos de seus treinos na academia. A longevidade, com qualidade e autonomia, não é puro acaso, mas também fruto das escolhas do ator – sobretudo a prática de musculação, que entrou para a sua rotina depois dos 70 anos. É a prova de que você nunca está velho demais para começar. “Quanto antes, melhor, mas nunca é tarde”, afirma o nutricionista e fisiologista Hamilton Roschel, diretor científico do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina (EEFEF- USP).
O ideal, segundo o especialista, é ter uma boa alimentação e ser ativo ao longo de toda a vida, para chegar à velhice com mais saúde muscular. No entanto, mesmo quem sempre foi sedentário, pode e deve mudar, seja qual for a faixa etária. “Você é capaz de colher os benefícios do exercício a qualquer momento”, afirma.
E não se trata apenas de ficar em forma e preservar o movimento, embora isso também seja fundamental. “A saúde muscular tem uma repercussão sobre a saúde geral”, aponta Roschel. Além de ajudar a manter a qualidade de vida, há inúmeros outros benefícios, tanto físicos quanto mentais. Um estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP), neste ano, mostrou que treinos de força ajudam a proteger o cérebro dos idosos contra demências, por exemplo.
“O estudo mostrou que, felizmente, a musculação é uma forte aliada contra demências, mesmo para pessoas que já apresentam risco elevado de desenvolvê-las”, afirmou Isadora Ribeiro, primeira autora do artigo, à Agência Fapesp.
Quando o músculo é submetido ao estímulo do exercício, na contração, ele secreta proteínas conhecidas como miocinas, que funcionam como mensageiros químicos, atuando em diversas reações no corpo humano. Elas participam, por exemplo, da regulação de glicose e gordura no organismo, reduzem processos inflamatórios, modulam respostas do sistema imunológico e comunicam o músculo com diversos órgãos, incluindo o cérebro.
Hoje, a população global já conquistou uma maior expectativa de vida, em comparação a gerações anteriores. O que costuma ser chamado pelo termo em inglês “lifespan”. “Agora o desafio é aumentar o que chamamos de ‘healthspan’, que é a qualidade desses anos de vida. A manutenção do músculo ao envelhecer é uma questão fundamental para garantir isso”, garante o professor Hamilton Roschel, da FMUSP.
Ele explica que, conforme envelhecemos, a tendência é perder massa e força muscular. “Esse processo acontece aos poucos, como se fossemos descendo uma escada, a um certo ritmo”, compara. “Porém, se há um estresse, como uma internação, é como se caíssemos uns dez degraus de uma só vez – e isso não volta depois”, acrescenta. Quem chega à velhice com mais reserva muscular, tem mais condições de se recuperar mais rápido dessas situações. Além disso, se um idoso necessita de uma cirurgia de grande porte, por qualquer motivo, a eletividade para o procedimento depende da avaliação da condição muscular, entre outros fatores.
Além de ajudar no ganho e na manutenção da massa muscular, treinos de força melhoram a qualidade óssea, reduzindo a chance de osteoporose e fratura, de acordo com a médica do esporte Karina Hatano, do Einstein Hospital Israelita (SP). “Os exercícios também proporcionam autonomia funcional, para que o idoso possa fazer as atividades do dia a dia com mais segurança, com mais qualidade de vida e com menos risco de queda. Sem falar na melhora do humor, da disposição, do equilíbrio, da postura e da saúde cardiovascular e metabólica”, enumera a médica.
Mais idosos na academia
Ary Fontoura, felizmente, não está sozinho. Entre 2022 e 2023, o número de pessoas com mais de 65 anos matriculadas em academias no Brasil cresceu 57,31%. O levantamento é da Tecnofit, empresa que oferece sistemas de check-in para negócios fitness.
“Embora ambientes de academia ainda não sejam muito favoráveis para este público, os profissionais estão mais conscientes da necessidade de lidar com esse público, que só aumenta”, completa. Ele lembra ainda que a academia, no entanto, não é a única solução. Embora a musculação seja a melhor opção, o importante é fazer algum tipo de treino, que pode ser funcional, pilates, treino em casa…
“Para estimular o músculo a crescer ou a diminuir, é necessário haver sobrecarga sobre o tecido. Isso acontece com aplicação de carga externa, que é o que a musculação faz”, explica o professor da FMUSP. Porém, quem não pode ou não quer ir à academia tem outras opções, como treinos com pesos livres, que podem ser halteres ou mesmo objetos improvisados, treinos de resistência, com elásticos, e exercícios com o peso do próprio corpo, entre outros. Mas é essencial contar com uma orientação especializada, já que fazer atividades por conta própria, sem experiência e supervisão, pode causar lesões.
Por onde começar
Se você já se convenceu de que antes tarde do que mais tarde para começar, saiba que não há um caminho único – e o primeiro passo é buscar uma avaliação clínica geral, para entender como está a sua saúde.
“As contraindicações absolutas são poucas e, geralmente, temporárias”, explica Karina. É o caso de idosos que com doenças cardíacas descompensadas e infecções, assim como aqueles que estejam em um período de pós-operatório imediato. Nestes cenários, provavelmente, será preciso cuidar primeiro das questões urgentes para depois obter a liberação para a prática dos exercícios. “Na maior parte das situações, mesmo o idoso tendo doenças, como diabetes, pressão alta, artrose, osteoporose, a musculação é possível e até recomendada”, diz Karina Hatano, do Einstein Hospital Israelita (SP). “O exercício físico é o melhor remédio, porque é barato e pode ser feito em casa”, acrescenta.
O que muda é a forma de prescrição, de acordo com a profissional. “Quando o idoso tem alguma limitação, o profissional de educação física vai adaptar a carga, sugerir um exercício com menor impacto, dar mais atenção ao controle da respiração ou à postura. É um treino mais individualizado”, descreve Karina. A saída não é deixar de recomendar a atividade, e sim buscar caminhos adaptados à necessidade de cada um.
Depois de obter a liberação médica e realizar os ajustes necessários, é hora de começar, com orientação profissional. “Ter alguém que oriente e explique o processo também é fundamental para que o idoso mantenha a adesão. Ele precisa saber que pode sentir um cansaço, uma dor, precisa entender os exercícios, o tempo de progressão, os ajustes dos aparelhos e as posições, sobretudo se nunca treinou”, aponta o nutricionista e fisiologista Hamilton Roschel, da FMUSP.