Após a repercussão de denúncias feitas por roteiristas do programa humorístico Vai que Cola, da Rede Globo, o Multishow informou estar investigando supostas situações de abuso que possam ter acontecido nos bastidores do programa. Em nota enviada ao Estadão nesta quarta-feira, 23, o canal disse estar “acompanhando atentamente o caso”.

Na quarta, escritores do programa alegaram uma suposta demissão injusta de um dos autores, André Gabeh. Os profissionais e o próprio roteirista demitido citaram um clima de “maldade e injustiça” que envolve a equipe e o elenco de Vai que Cola.

Conforme o Multishow, a produtora Fábrica, responsável pela produção, e a Globo iniciaram um “processo de escuta” com lideranças criativas, elenco e os roteiristas que haviam denunciado a situação.

“O Código de Ética da Globo estabelece que situações de discriminação e assédio não são toleradas. Quando denúncias desta natureza chegam ao conhecimento do canal, elas são devidamente apuradas e, conforme o caso, são feitos ajustes de processos e outras medidas corretivas”, disse o comunicado.

Leia a nota completa:

“O Multishow está acompanhando atentamente o caso de roteiristas do Vai Que Cola que vieram a público relatar problemas de relacionamento com colegas de equipe e com o elenco do programa. Desde que tomaram conhecimento da situação, a produtora Fábrica, responsável pela produção, e as equipes da Globo responsáveis pelo conteúdo deram início a um processo de escuta com as lideranças criativas do programa, com o elenco e com os profissionais que relataram supostas situações de abuso. O Código de Ética da Globo estabelece que situações de discriminação e assédio não são toleradas. Quando denúncias desta natureza chegam ao conhecimento do canal, elas são devidamente apuradas e, conforme o caso, são feitos ajustes de processos e outras medidas corretivas.”

Entenda o caso

Roteiristas do Vai que Cola se posicionaram contra a demissão de André Gabeh, que teria ocorrido de forma injusta, segundo uma nota divulgada pela Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA) nesta quarta-feira.

No comunicado, a ABRA manifestou apoio ao escritor e à equipe, condenando uma “cultura de medo e opressão” em ambientes do mercado audiovisual. “O processo de criação de uma obra é um trabalho realizado em conjunto e todos os profissionais envolvidos merecem respeito”, diz um trecho.

A associação ainda disse ser “inadmissível que um local de trabalho se torne um local de perseguição e de violência psicológica por parte de outros colegas”. “A luta da ABRA é para que toda sala de roteiro seja um ambiente livre de práticas tóxicas e esse também precisa ser o compromisso das produtoras audiovisuais e dos canais de televisão. A integridade física e mental dos seus funcionários precisa ser assegurada”, afirmou.

Mais tarde, na quarta, Gabeh também se pronunciou sobre o ocorrido em uma publicação feita em seu perfil no Facebook e agradeceu o suporte dos colegas. Em determinado trecho, ele insinua que o desligamento teria acontecido sob a justificativa de que seus textos seriam “políticos ou militantes”, o que o autor nega.

Sem citar nomes, ele disse que “o lado mais fraco da corda sempre tem que tomar cuidado para nunca mais ser chamado para trabalhar ou virar chacota diante do fandom [grupo de fãs] de pessoas com muito mais visibilidade”.

“A gente sofre três vezes: na hora em que te cometem a violência, na hora que te dizem ‘quem é você pra falar de fulano?’ e na hora que te falam ‘esquece’, ‘deixa pra lá’, ‘você é melhor do que isso’. Mas essa conversa teremos mais para frente”, escreveu.

Leia a nota de André Gabeh na íntegra:

“Fingir que nada está acontecendo seria desrespeitoso com pessoas queridas que foram expostas em uma ação que me favorecia. Então vou falar algumas coisas. Devo essa reverência.

Pois,

Primeiro de tudo EU NUNCA ESCREVI NADA POLÍTICO OU MILITANTE EM NENHUM TEXTO MEU DO VAI QUE COLA. Mesmo se eu surtasse e escrevesse algo desse tipo, os meus supervisores tirariam do texto. E como somos orientandos a não falar nada nesse sentido, aí, sim, eu teria uma demissão justa. Mas repito: NUNCA ESCREVI UMA LINHA POLÍTICA OU MILITANTE para o programa supracitado.

Sigamos

Agora nesse momento eu não vou me estender sobre algumas coisas, porque ainda não estou preparado para isso. Não quero que nada do que eu falar tenha auras vitimistas ou revanchistas. Aqui na internet a gente fala A e o disposto ao ódio entende URUBU. Não estou pronto.

Agora, precisamente, nesse momento eu preciso falar uma coisa: Obrigado aos roteiristas que se posicionaram diante da injustiça que fizeram comigo. Se posicionaram por empatia, se posicionaram por humanidade, se posicionaram por generosidade e também se posicionaram por se respeitarem, por se saberem valorosos, importantes e relevantes. Se posicionaram em uma carta aberta, lúcida, profissional e objetiva. Falaram por mim, falaram por eles e falaram por vários outros roteiristas.

Nesse exato momento os roteiristas do mundo estão lutando por direitos, por respeito, por valorização e reconhecimento. Aqui no Brasil nós também temos pessoas lutando pelos direitos da classe e eu sou amigo desses profissionais. Honrado amigo deles.

Obrigado também a ABRA, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AUTORES ROTEIRISTAS que também fez uma carta de apoio a minha situação e a situação dos meus colegas de trabalho.

O que aconteceu comigo não pode acontecer com PROFISSIONAL NENHUM, com pessoa nenhuma, mas dessa vez eu tive a voz de mestres me defendendo e se defendendo. Estamos falando dos roteiristas que produzem material para o – atualmente – maior programa de humor do Brasil. Pessoas premiadas, respeitadas, talentosas e muito competentes.

Eu sabia da existência dessa carta, mas nem nos meus maiores sonhos eu imaginei que ela poderia vir a público. Pensei até que ela nem seria entregue porque era algo tão arriscado que eu entenderia se meus amigos não quisessem entregá-la. Emprego está difícil e a gente sabe que sempre há lâminas afiadas para cortar cabeças que se colocam acima da manada. Eu mesmo nada poderia fazer para que ela viesse a público, porque jamais exporia meus amigos e porque se tivesse esses contatos usaria para divulgar minhas coisas que luto para que sejam vistas e consumidas.

Eu preciso reverenciar essas pessoas, honrar essas pessoas. Hoje quem ler o que eles escreveram vai saber que eu não exagerei quando falei sobre a injustiça que sofri, sobre a maldade que me fizeram e que tive que pisar em ovos pra expor, porque o lado mais fraco da corda sempre tem que tomar cuidado pra nunca mais ser chamado pra trabalhar ou virar chacota diante do fandom de pessoas com muito mais visibilidade. A gente sofre três vezes: na hora em que te cometem a violência, na hora que te dizem “quem é você pra falar de fulano” e na hora que te falam “esquece”, “deixa pra lá”, “você é melhor do que isso”… Mas essa conversa teremos mais pra frente.

Agora é hora de agradecer.

É poderoso saber que gente tão magnífica me deu essa luz que sinto que se espalha por muito mais espaços.

Muito obrigado mesmo. Do fundo do meu coração.

Que meus Orixás e minha ancestralidade nunca os desamparem.”