Elas estão com tudo: pela primeira vez na história, artistas femininas dominaram simultaneamente as principais premiações nas áreas da música, cinema e literatura. Na última edição do Grammy, a jovem Billie Eilish, de 19 anos, foi coroada nas categorias mais importantes da noite: Melhor Gravação e Canção do Ano. No cinema, os dois grandes prêmios de 2021 também foram vencidos por mulheres – a diretora Julia Cucournau levou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, com “Titane”, e Chloé Zhao ganhou quatro estatuetas no Oscar, incluindo as duas mais cobiçadas, Melhor Filme e Direção. No mundo literário, universo tradicionalmente dominado por escritores, as mulheres foram destaque: a poeta americana Louise Gluck foi a laureada com o Nobel de Literatura.

LITERATURA Louise Gluck: a poeta americana foi laureada com o Nobel (Crédito: Daniel Ebersole )

O ano tem tudo para continuar a ver mulheres brilhando em diversas áreas. Em julho, a popular lista dos livros de ficção mais vendidos do jornal “The New York Times”, termômetro para o mercado global, trazia sete autoras entre os Top 10. Esse avanço também se dá no cinema. Um estudo feito pelo Center of the Study of Women in Television and Film, da Universidade de San Diego, nos EUA, revela que houve um recorde de filmes lançados por diretoras em 2020. Entre as 100 produções com maior bilheteria no ano, 16 foram dirigidas por mulheres. Pode parecer pouco, mas a evolução é evidente: em 2019, o índice era de 12%; em 2018, apenas 4%.

Na indústria musical, o sucesso de jovens artistas como Billie Eilish, Lady Gaga, Rihanna, Ariana Grande e Olivia Rodrigo tem exercido um impacto importante sobre os lucros do setor. Justifica-se, assim, a expectativa que cercou o lançamento, nessa sexta-feira 30, de “Happier Than Ever”, segundo álbum de Billie Eilish. É provável que seja o maior evento do ano: antes mesmo de sair, já é a maior pré-venda da história da Apple Music, com mais de um milhão de cópias. Ele ainda ganhará uma versão cinematográfica: a cantora apresentará as 16 canções do repertório na íntegra, ao vivo, acompanhada pela Orquestra Filarmônica de Los Angeles sob regência do maestro Gustavo Dudamel. O show vai gerar um documentário da Disney+, com estreia em 3 de setembro, e direção de Robert Rodriguez e Patrick Osborne.

“Apesar do recente progresso, ainda há muito trabalho para ser alcançada a igualdade de gênero na indústria cultural e criativa” “Gênero e Criatividade”, relatório da Unesco

Na música, é evidente o avanço das artistas femininas no gosto do público. No período 2010-2019, apenas duas mulheres figuravam entre os nomes mais ouvidos do Spotify. Hoje, elas são quatro entre os dez artistas com mais seguidores na plataforma – mesma proporção para o ranking que engloba os mais ouvidos. Se as mulhers fazem bonito nos palcos, porém, o mesmo não acontece nos bastidores: elas correspondem a apenas 12,3% dos compositores e a 2,1% dos produtores fonográficos. A liderança executiva no setor também mostra que há um longo caminho pela frente: há apenas uma mulher entre CEOs das 13 maiores gravadoras do mundo: Sylvia Rhone, da Epic Records/Sony. De maneira geral, os números ainda são desequilibrados tanto na música (63% de homens contra 37% de mulheres), quanto no cinema (70% a 30%).

O reconhecimento do poder feminino, com bons números comerciais e premiações relevantes em suas respectivas indústrias, no entanto, mostra um avanço consistente. Essa conscientização global começou a ficar mais clara a partir de 2017, graças à popularização do movimento #MeToo. O discurso contra o assédio sexual levou grande parte do mercado a reconsiderar posições que já duravam décadas. O relatório “Gênero e Criatividade”, feito pela pesquisadora Bridget Conor para a Unesco, órgão da ONU que cuida da Educação, Ciência e Cultura, defende que o maior problema é financeiro. “Apesar do recente progresso, ainda há muito trabalho para ser alcançada a igualdade de gênero na indústria cultural e criativa”, informa o documento. “Os impedimentos são numerosos e incluem acesso desigual a empregos decentes, remuneração justa e posições de liderança.” Já é tempo do setor reconhecer a importância das mulheres e recompensá-las – não apenas com prêmios, mas com melhores salários.

Simone de Beauvoir, a primeira feminista

PIONEIRA Simone de Beauvoir: revolução (Crédito:Divulgação)
LANÇAMENTO “Simone de Beauvoir: A Biografia” Huguette Bourchardeau
Ed. Nova Fronteira
Preço: R$ 47 (Crédito:Divulgação)

Aos treze anos, ao provar em Paris um vestido para a missa de domingo, a jovem Simone de Beauvoir olhou para a mãe e disse: “não vou mais à missa. Perdi a fé”. As novas gerações devem muito à autora de “O Segundo Sexo”, obra-prima de 1949 que é considerada a bíblia do movimento feminista. A nova biografia de Huguette Bourchardeau não traz segredos inéditos, até porque a própria Simone já registrou suas ideias em diários, romances e ensaios. O lançamento, porém, ajuda a compreender o contexto familiar em que a filósofa cresceu e como sua carreira se desenvolveu a partir da vontade de ser reconhecida como grande escritora, o que aconteceu em 1954, com o prêmio Goncourt. Além de abordar a lendária relação com Jean-Paul Sartre, a obra também demonstra a força com que Simone entregou-se à militância feminista, abrindo caminhos para que hoje, em todas as áreas culturais, possam surgir mulheres tão poderosas como ela.