O dicionário de língua portuguesa Houaiss ensina que o verbete “gordo” tem sua origem no vocábulo latino “gurdus”, que etimologicamente quer dizer estúpido, bronco, pesado, vagaroso e desajeitado. Surgido no século XIV, o adjetivo desde então carrega consigo uma carga negativa que ao longo dos anos moldou comportamentos e vem dando forma e força ao preconceito contra as pessoas que estão acima do peso.

Lilian Marcelino, modelo plus size (Crédito:Divulgação)
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Apesar dos esforços de conscientização, a intolerância só aumenta contra as pessoas obesas. “A sociedade está aceitando conviver como os gordos, mas não concorda”, afirma Lilian Marcelino, 21.

Modelo plus size (um tamanho a mais no jargão do mundo da moda), Lilian é a “Mais Bela Gordinha do Brasil”, título conquistado por ela no concurso do mesmo título no ano passado.

Ela é categórica ao falar sobre a gordofobia: “O preconceito contra os gordos no país está mais escondido do que encerrado. Sofremos muitos bombardeios por estarmos acima do peso”, gara30nte Lilian.

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Questão física e mental

Para o psiquiatra e nutrólogo Arthur Kaufmann, o problema com o excesso de peso deve ser analisado sobre quatro pontos de vista: o da saúde física, mental, social e política. Pelo ângulo da saúde física, ele entende que “ser gordo não é uma forma de ser saudável, já que um corpo vigoroso é um corpo mais magro, mais delgado e mais firme”. Sob a ótica mental, garante o especialista, muitos obesos comem muito mais que o organismo necessita para justificar emoções.

Estudos mostram que quanto mais as pessoas que estão acima do peso reconhecem sua obesidade, maior é a tendência de comerem ainda mais, além da saciedade, para buscar conforto emocional. Para Kaufmann, muitas pessoas são gordas ou obesas porque usam a comida como uma forma de automedicação. Ou seja, “estou muito feliz, vou comemorar comendo; estou sentindo-me triste, vou lamentar-me comendo.”

Professor da USP e especialista em estudos sobre a obesidade, Kaufmann afirma que o maior problema enfrentado pelas pessoas que estão acima do peso é a questão social e política, pois as pessoas gordas são tratadas pela sociedade não como doentes, mas sim como negligentes e preguiçosas. Portanto, sob essa ótica, devem ser castigadas e perseguidas. “Vivemos uma época em que os ‘diferentes’ são considerados errados e, por isso, são xingados, perseguidos e ofendidos”, afirma o especialista. “Boa parte da sociedade considera que a gordura é uma questão de caráter, de falta de força de vontade e, portanto, merece ser provocada”, lamenta.

Preconceito é comum

A empresária Renata Poskus foi vítima do ataque de gordofobia do ex-namorado. “Enquanto as outras mulheres recebiam flores, eu ganhava complexos de emagrecimento. Minhas amigas eram levadas por seus namorados para jantares, eu era levada para caminhar no parque”, relata Renata. “Vivi horrores”, lembra. “Ele tinha vergonha de me assumir para os amigos”, conta. “O pior é que quanto mais eu lutava contra a balança, mais gorda eu ficava”, lembra-se.

Renata transformou as fraquezas em oportunidades. Ela terminou a relação com o namorado preconceituoso, montou o blog “Um mulherão – o manual de sobrevivência para mulheres acima do peso”, para conversar com outras mulheres vítimas da gorfobia, e há sete anos inspirou-se em sua própria história, e na de suas seguidoras, para criar o primeiro evento de moda exclusivamente voltado para o público Plus, o Fashion Weekend Plus Size, uma espécie de São Paulo Fashion Week para obesos.

Foi também uma forma de lidar com o assunto dentro do mundo da moda. “Tinha ainda mais dificuldade em me vestir bem e dentro das tendências da moda”, conta Renata. De 2010 para cá, o mercado evoluiu bastante, novas marcas surgiram, modelos gordinhos se profissionalizaram e o consumidor Plus tem se mostrado mais exigente. “O gordo cansou de ser submisso”, diz Renata. Segundo dados do Inteligência de Mercado (IEMI), o segmento de vestuário Plus Size deve crescer 8,2% em 2017 enquanto o vestuário adulto geral deve crescer 4,7%.

O aumento das vendas de produtos para quem está acima do peso está diretamente ligado ao aumento de gordos no Brasil. Estudo divulgado recentemente pelo Ministério da Saúde revela que o excesso de peso no Brasil cresceu 26,3% nos últimos dez anos. Mais da metade da população está acima do peso.

O país, que até pouco tempo lutava para combater a fome e a desnutrição, agora precisa conter a obesidade que ganha ritmo de epidemia – a cada cinco brasileiros, um está obeso. Mantido o ritmo de crescimento do número de pessoas acima do peso, em dez anos o país terá se igualado aos Estados Unidos.

O aumento da obesidade pode estar relacionado ao período de crescimento do poder de compra dos brasileiros. Segundo uma pesquisa do Instituto Data Popular, a renda da classe média, que representa 56% da população, cresceu 71% entre 2005 e 2015, sendo que a renda dos 25% mais pobres foi a que mais aumentou no período.

Questão genética

O sobrepeso não é necessariamente resultado de comilança em excesso, vida desregrada ou sedentarismo. Cientificamente, está provado que a falta de sono, medicamentos, desequilíbrio hormonal e a genética podem ser vilões na luta contra a gordura. A bailarina Jennifer Balbachian, 18, sabe bem o que é isso. Gordinha desde pequena, ela já fez todas as dietas possíveis, fechou a boca, já malhou e não perdeu peso.

Hoje, aprendeu a lidar com o problema que, no caso dela, é genético. “Lá em casa todos são gordos”, confirma. Para ela, o pior é o bullying sofrido desde a infância. “Me chamavam de baleia, diziam que eu nunca iria arrumar namorado por causa do meu corpo. Sofri horrores”, lembra. Segundo Jennifer, quando ela era pequena lidava com isso batendo nos meninos que a provocavam. “As pessoas nunca perguntam se você está bem consigo mesmo. Vão logo condenando”, entende.

Rúbia Ponick, miss São Paulo Plus Size 2017 (Crédito:Divulgação)
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Combate ao preconceito

“O gordo nunca foi bem-vindo”, afirma a professora Rúbia Ponick, 23. Miss São Paulo Plus Size 2017, ela conta que já sofreu e sofre com o preconceito. A história de vida dessa paulista de Santo André é um exemplo de enfrentamento contra a gordofobia.

Entre as alunas de Rúbia, uma é aluna especial, tem Síndrome de Down. No ano passado, para mostrar para a criança que as pessoas devem valorizar a diversidade, ela se inscreveu para o concurso de miss São Paulo Plus Size e ganhou em primeiro lugar. “Voltei à escola com a coroa de miss e foi uma injeção de auto estima na turma”, comemora. “Precisamos nos valorizar para combater o preconceito”, afirma Rúbia.