Essa poderia ser mais uma história como tantas outras, de meninas e mulheres que deixam os estudos para trabalhar, cuidando da casa, dos filhos ou de familiares, e não são remuneradas por isso. Mas não, Nelinha fez diferente.

Nunca subestime o poder de uma mulher determinada, que conhece seu valor, sua força e seus direitos. Nunca subestime o poder de uma mulher que sonha com um mundo mais justo e consciente e quer ser respeitada por suas escolhas pois, mesmo em pedaços, ela será capaz de se refazer. Durante anos extirparam nossas asas, e o segredo é que elas se regeneram.

Arretada, atrevida, Cornélia Rodrigues, a Nelinha do Babaçu, é a imagem da verdadeira mulher brasileira – aquela que não se cala, não dissimula. Mulher que hipnotiza, não se esconde, nem se vitimiza. Nordestina, preta, trabalha desde os 11 anos de idade, filha de um lavrador e de uma quebradeira de coco babaçu, nascida no município de Palmeirândia, no Maranhão – estado com um dos piores IDHs do Brasil, indicador que estranhamente contrasta com a imensa riqueza cultural e natural da região.

Nelinha enfrentou preconceitos e todos os “poréns” que sua origem impôs, sabendo agarrar firme as oportunidades que a mesma vida lhe ofereceu. Líder inspiradora, formadora de opinião, funda seus argumentos na seguinte premissa: “não se pode falar em sustentabilidade sem antes falarmos em humanidade”.

A maranhense de 54 anos saiu de casa ainda na pré-adolescência. Seus pais tinham o sonho de proporcionar o estudo que não tiveram para filha, mas na época Palmeirândia não tinha sequer escola púbica. Foi então que surgiu a oportunidade de a menina ir morar na capital, onde poderia trabalhar como companhia de uma matriarca da alta sociedade de São Luís – com a condição de que frequentasse uma boa escola.
Nelinha foi, e não parou mais. Aos 13 anos viajou com a mesma família para Brasília e aos 15 aportou no Rio de Janeiro. Aos 19 anos, casou-se e engravidou logo em seguida, indo morar no Complexo do Salgueiro, lugar pelo qual desenvolveu enorme apreço e carinho. Precisou deixar os estudos para cuidar da primeira filha quando ainda cursava o antigo primeiro ano do segundo grau.

Depois que o casal de filhos já estava em idade escolar, arregaçou as mangas e foi atrás da sua independência financeira. Com seu companheiro de vida, queria dar conforto para a família e estudo para os filhos – além de realizar o antigo sonho de voltar para o Maranhão, colaborando para o desenvolvimento social e econômico do seu povo.

Essa brava mulher nunca perdeu o foco, passou por altos e baixos mas sempre trabalhou duro e com maestria. Foi governanta e cozinheira na casa de artistas e personalidades famosas do Rio e de São Paulo. Com cada um deles, ela diz ter aprendido algo importante. Agarrou as oportunidades que surgiram, informou-se e fez amigos, aliás muitos amigos. Dona de um coração enorme e de muita empatia, desenvolveu conexões inimagináveis.

Cornélia Rodrigues sonhou com tanto empenho e resiliência que, mesmo em uma sociedade caracterizada pelas injustiças sociais e desigualdades, conseguiu encontrar estratégias que a permitiram resgatar a autoestima e realizar, através da valorização de suas capacidades individuais, um sonho grande em prol da coletividade. Apesar de ter conseguido se tornar uma mulher próspera, não se realizava por inteiro vendo suas raízes e seu povo atravessarem tantas dificuldades.

A mulher preta da baixada maranhense convenceu pessoas e líderes, conquistou parceiros estratégicos e, sem dúvida alguma, ainda convencerá o Brasil, quiçá o mundo, com seu discurso visionário, sua liderança democrática e trabalho árduo. Nelinha hoje é sócia da Reflyta, ao lado do grande diretor Jayme Monjardim e do publicitário Rodrigo Fleury.

Parte fundamental do multifacetado projeto Palma Monjardim para a baixada maranhense, a Reflyta nasceu com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e gerar oportunidades para os moradores de Palmeirândia e para as mulheres quebradeiras, que lutam pela preservação dos babaçuais, para a garantia da terra, condições mais dignas de trabalho e políticas governamentais voltadas para o extrativismo e equidade de gênero.

A base do projeto é um sólido desenvolvimento de produtos alimentícios, cuja espinha dorsal são florestas de alimentos onde o babaçu protagoniza. Estes produtos e subprodutos respeitam o ecossistema e a biodiversidade da região, além de regenerarem a floresta.

Essa é um pouco da história da Nelinha do Babaçu, mulher que atravessou e venceu os obstáculos impostos por um sistema desigual de castas socioculturais e de gênero. Ela não desistiu, mas usou determinação, sabedoria e humildade, unindo-se a pessoas sensíveis que enxergaram sua potência, para juntos concretizarem ideias inovadoras e projetos disruptivos em prol da coletividade.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.