Esses dias eu estava em uma reunião e chegou um bolo de brigadeiro daqueles bem gostosos. No mesmo momento todos na sala se voltaram  para mim: “Paola, só vamos comer esse bolinho hoje, viu? Mas sabemos que não podemos comer, ainda mais nos dias de semana!”  Como sempre, respondi: “mas eu não disse nada, pessoal! Fiquem tranquilos”. É natural que as pessoas me associem à juíza da alimentação, do que é certo ou errado na hora de comer, mas eu reforço: Eu não sou! Nem comigo, nem com os outros, nem com meus filhos.

 “Seus filhos não devem comer nenhuma besteira!”, é o que também costumo ouvir muito. A verdade é que ninguém sabe de nada e vou contar para vocês a estratégia que uso em casa, por experiência prática e clínica.

Sempre reforço que não existe reeducação alimentar sem educação alimentar de base. Mas com as crianças é difícil falar “isto pode”, ou “isto não pode” – e por diversos motivos, principalmente pelo processo que elas estão vivendo em seu desenvolvimento cerebral. 

Desde 2008, pesquiso e trabalho com pessoas que desenvolveram obesidade. Foram centenas de mulheres adultas e adolescentes que já passaram por mim. 

Como a obesidade é uma doença crônica, associada a diversas patologias e de causa multifatorial, devemos estar atentos ao início do processo. Junto com a equipe de profissionais da saúde, através das pessoas que atendíamos e de suas histórias, aprendi a detectar os principais gatilhos que desencadeavam todo o processo.

Em consultas com adolescentes sempre ouvia algo como “meus pais proibiam esse alimento e eu comia escondido”, “não podia comer isto”,  “minha mãe sempre me disse que era errado”, “como estava acima do peso, minha mãe escondia os alimentos de mim”. Essa tentativa de acerto desencadeava a famosa tentação –  “o proibido é mais gostoso” –  e assim os adolescentes não apenas comiam escondido, mas com o maior prazer do mundo. 

E isso não era só no ambiente de pesquisa, também observava o mesmo modelo de comportamento no dia a dia, com amiguinhos dos meus filhos. Aqueles cujas mães nunca tinham deixado experimentar um doce, por exemplo, quando íam em alguma festinha pegavam todos os brigadeiros escondido, comiam de uma vez só e enchiam os bolsos com mais guloseimas.  

Sobre os meus filhos? Desde que eles são pequenos minha casa tem aquelas bombonieres, cheias de chocolates deliciosos. Nunca falei para que não comessem os doces, pelo contrário, sempre deixei a critério dos meus dois filhos. E para minha surpresa: os chocolates não fazem parte da escolha em nosso dia a dia. 

Se eu colocar uma fruta ou um bombom para escolherem, pode ter certeza que vão optar pelas frutas, pois sabem que podem consumir o bombom em outro momento e que a fruta trará mais saciedade e diversos benefícios – o que costumo explicar sempre de forma divertida. Além disso, por não proibir, eles não atacam a mesa de doces nas festinhas. Deixo que fiquem à vontade, e assim eles se limitam a dois ou três  brigadeiros. Interessante, não? Mas tudo aqui eu faço com base em estudos. 

Quando tive contato com a história dos adolescentes com obesidade, estudei e pesquisei muito sobre a restrição alimentar na infância. E de fato constatei que o excesso de proibição desperta interesse pelo que está interditado, podendo levar a quadros compulsivos.

 

O que os estudos e análises dizem

Sabemos da importância de ensinar nossos filhos sobre alimentação saudável, já que dados do Ministério da Saúde apontam que a obesidade infantil afeta 3,1 milhões de crianças menores de 10 anos no Brasil. Ensinar hábitos alimentares saudáveis aos filhos pode, sim, evitar problemas de saúde a longo prazo, como pressão alta, doenças cardíacas e diabetes. Os profissionais recomendam diminuir a ingestão de açúcar, limitando os doces, como refrigerantes, balas e biscoitos. Mas devemos nos atentar para a forma como abordamos esses assuntos, pois limitar e reduzir não significa proibir. 

De acordo com uma publicação da Universidade de Medicina de Stanford, dos Estados Unidos, a região racional do cérebro de um adolescente não está totalmente desenvolvida e não estará até os 25 anos ou mais.

Pesquisas descobriram que os adultos pensam com o córtex pré-frontal, que é a parte racional do cérebro, capaz de responder a situações com bom senso e consciência das consequências a longo prazo. Já os adolescentes processam informações com a amígdala, que é a parte emocional.

No cérebro dos adolescentes, as conexões entre a parte emocional do cérebro e o centro de tomada de decisão ainda estão se desenvolvendo – e nem sempre no mesmo ritmo. É por isso que eles demonstram uma carga emocional avassaladora e costumam ser mais impulsivos. Além disso, desrespeitar a proibição traz um sentimento de liberdade e a capacidade de visualizar as consequências, muitas vezes, pode não estar totalmente clara. 

Um estudo publicado no Journal of Nutrition Education and Behavior mostrou que os pais de crianças com obesidade eram mais propensos a restringir diretamente a ingestão de doces de seus filhos. Incluindo 237 mães e seus filhos, o estudo examinou a resposta de cada uma ao desejo das crianças. 

Os pesquisadores descobriram que as mães cujos filhos estavam acima do peso eram mais propensas a responder com declarações restritivas, como: “uma sobremesa é o suficiente”. As mães cujos filhos não tinham obesidade deram respostas mais abertas, como: “você ainda não jantou”.

Embora estabelecer limites rígidos com nossos filhos possa ajudá-los a concluir as tarefas domésticas e os deveres de casa (ou seja, sem tempo de tela até que você limpe o quarto), essas declarações podem não impedir que as crianças comam demais. Por que? Porque quando se trata de hábitos alimentares as pesquisas mostram que a restrição pode aumentar nosso desejo pelos “alimentos proibidos”.

Um outro estudo, publicado pela Appetite, mostrou que o uso de práticas alimentares restritivas pelos pais pode ser contraproducente, aumentando a ingestão de alimentos proibidos e o risco de ganho excessivo de peso. Os resultados confirmaram que o uso de restrição pelos pais não limitou o consumo desses alimentos pelas crianças.

 

Quais as estratégias que devo utilizar?

Essa abordagem sempre deve ser feita de forma individual e por um profissional, principalmente se a criança ou adolescente tem alguma questão de saúde. Mas aqui seguem algumas dicas sem contra-indicações: 

  • Reforce a consciência e conexão corpo-mente. Em vez de controlar, capacite seus filhos para fazer escolhas alimentares sábias em nome de seu corpo em crescimento. Modificar a maneira como abordamos o assunto sobre o alimento ajuda a fortalecer esta conexão. Existe um livro bem legal que se chama “Tenho monstros na barriga”, de Tonia Casarin, que aborda a diferença entre os sentimentos, as sensações, e a fome fisiológica.
  • Brincadeiras são capazes de deixar tudo mais leve. Gosto de levá-los à feira, deixá-los com um dinheirinho e pedir para cada um escolher três frutas que querem experimentar naquela semana – vira uma diversão e, como eles escolheram, tendem a experimentar. Outra brincadeira que faço é pegar um quadradinho de chocolate, pedir para deixarem na ponta da língua e ver quem fica mais tempo com o doce na boca. Essa é uma forma de entenderem, sem que eu fale, o quanto o doce é muito doce e que um quadradinho é o suficiente – já que nossa ansiedade nos faz comer muito rápido. Na ponta da língua estão nossas papilas gustativas que entendem o sabor doce e, assim, quanto mais tempo lá, mais doce o doce fica.
  • Práticas de alimentação consciente. Atenção plena é uma prática difícil para os adultos, imagine para as crianças? De acordo uma publicação da Harvard Health, a alimentação consciente pode ensinar às pessoas os melhores hábitos alimentares, encorajando-as a trazer a consciência do momento presente para os alimentos que comem. Práticas de alimentação consciente podem estimular a curiosidade de uma criança sobre os alimentos e ajudá-la a ouvir seu corpo em busca de sinais de fome e saciedade. Em vez de impor regras restritivas sobre o quanto ela deve comer em cada refeição, podemos explicar como sintonizar as sugestões internas e apoiá-la a fazer o mesmo.

 

Desenvolver um relacionamento saudável com a comida não vem do autocontrole – vem da autoconsciência. Prestar atenção em como nosso corpo reage a vários alimentos pode nos ajudar a cultivar essa percepção, num exercício que também podemos ensinar a nossos filhos. Ensinar a importância da saúde do corpo é uma das melhores maneiras de ajudá-los a desenvolver hábitos alimentares saudáveis. Ao aprender esta lição, eles descobrem que fazer escolhas alimentares sábias vem de dentro – uma habilidade que pode ajudá-los ao longo de toda vida.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.