Desde muito jovem eu nutria o desejo de casar, sonhava ter duas meninas e um menino, uma família numerosa com todos reunidos ao redor da mesa no domingo. Aos 14 anos comecei a namorar o pai da Any Gabrielly, ele bem mais velho, com muito mais experiência de vida… Quatro anos depois do início do namoro, numa fase ainda sonhadora e amorosa de nossa relação, fomos morar juntos – e o assunto maternidade sempre vinha à tona. 

Hoje vejo com mais clareza que a pressão familiar era bastante grande, sempre alguém fazia algum comentário como “ainda não tem filho”, ou “nossa, vai ficar uma velha sozinha”… O desejo de me tornar mãe foi ficando cada vez maior e, não sei se por pressão social… o fato é que parei de usar qualquer método contraceptivo e, aos 21 anos, dei à luz minha primeira filha, mergulhando em um novo ciclo repleto de responsabilidades e descobertas. 

Fiquei assustada durante a gestação, de tanto ouvir as pessoas dizerem que eu nunca mais iria dormir, que meu corpo ficaria feio o resto da vida, que certamente meu companheiro iria ter outra mulher… além de todas as histórias de partos horríveis e problemas gestacionais graves. 

Quando Any nasceu, começou um período que mudou tudo na minha vida. Eu sentia medo de dar banho, de trocar as fraldas, de amamentar, dela ficar doente. Quase não dormia, e não pela Any, que era calma e tranquila, mas por minha própria inexperiência de vida. 

Meu relacionamento com o pai da Any começou a se desgastar seriamente, vivíamos com muitos problemas financeiros. Eu havia me desenvolvido como mulher e tinha meus próprios pensamentos, não era mais tão influenciável, e meus anseios de criação eram totalmente diferentes do meu parceiro. Sabia que a Any seria uma estrela e, apostando no sonho que tive na gravidez, conseguia ter ânimo  para seguir com as metas que tracei para minha filha – como investir o máximo que pudesse em sua educação.

As brigas passaram a ser constantes e, apenas dois anos depois do nascimento de Any, decidimos nos separar. Foi um período difícil, mas decidi encarar o futuro com coragem e determinação. Assumi a responsabilidade de criar minha filha sozinha, abraçando a jornada da maternidade solo. Mesmo com as dificuldades que surgiam encontrei forças para ser mãe e pai, oferecendo amor, apoio e segurança. 

De outro relacionamento de quase três anos engravidei novamente. O pai da Isabelli, a Belinha, nunca esteve presente, ele não fazia nada, não comparecia às consultas médicas, não comprava sequer uma vitamina, nem um pacote de fraldas comprou.  Tive a certeza de que criaria sozinha não uma criança, mas duas. 

Recordo-me vividamente do momento em que estava grávida da Belinha, tão pobre que decidi comprar o enxoval da minha caçula em um brechó. Naquele lugar encontrei peças de qualidade, com um preço muito mais acessível do que nas lojas convencionais. Lavei, passei e algumas peças ainda customizei. 

Como se não bastasse, naquela época ainda enfrentei outros problemas, e por alguns meses a Any ficou na casa da minha mãe biológica, onde também morava minha irmã Laura Carolinah. O bom foi que a Any teve a oportunidade de conviver com a tia, cantora profissional que acabou se tornando a professora de canto e artes cênicas da Any com maestria e didática.

O que já era difícil naquela fase se tornou muito pior:  sem Any, sem dinheiro, grávida, zero apoio, sem dúvida enfrentei a fase mais difícil da minha vida. Fui morar em um cômodo no fundo do quintal de uma pessoa que chamava de vó. Era um local de guardar entulhos, ferramentas, carrinho de mão, estava com carrapatos e ratos. Nem havia banheiro, pia de cozinha. Fiz uma faxina intensa, pintei, decorei com papel contact, coloquei uma cortina com tapume porque não havia porta. 

Visitava regularmente a Any na casa da minha mãe e acompanhava as apresentações e reuniões escolares, aos domingos sempre que possível passava o dia com ela e durante a semana estava sempre em contato por telefone. 

Any voltou a morar comigo depois de seis meses e naquele quartinho fomos vivendo por mais algum tempo. O desespero de não ter a Any passou, mas a nossa situação financeira ainda era bem complicada. 

Belinha já havia nascido. Amamentei até ela chegar aos dois anos, mas quando estava com seis meses, e começou a introdução de outros alimentos, foi um pesadelo. Costumava ir na feira, já bem no final dela, e pegava os alimentos que haviam sido deixados para trás – usando o mesmo carrinho de mão que estava no quartinho onde morava, o que acabou sendo um dos maiores presentes que pude ter na vida, porque assim podia recolhia os restos, em grande quantidade, e fazer as papinhas. Passava roupas das vizinhas, recolhia e levava naquele mesmo carrinho. 

Via tantas mulheres brasileiras vivendo com tão pouco que disse a mim mesma:  se elas conseguem eu também conseguirei. Mas confesso que chorei muito no banheiro, e só para ir até ele tinha que atravessar o quintal e entrar na casa da “vó”… 

Apesar de não ter grana para lazer, encontrei uma maneira de proporcionar experiências enriquecedoras às minhas filhas, através da participação em projetos sociais oferecidos pelo Sesc e Sesi, nas prefeituras do município de Osasco e São Paulo. Essas iniciativas abriram um mundo de oportunidades para elas, e também para mim, como os workshops de diversos temas, incluindo um sobre reaproveitamento de alimentos, tão importante para minha realidade naquela época.

Através desses projetos sociais minhas filhas tiveram a oportunidade de participar de aulas de danças populares, praticar esportes, pinturas, frequentar concertos musicais e dezenas de espetáculos de teatros, além de aprender, e muito, sobre trabalho em equipe, disciplina e confiança. 

Acredito que as experiências difíceis que vivemos nos tornam mais fortes e resilientes. Elas nos ensinam a importância de perseverar, mesmo nas situações mais adversas. A vida de uma mãe solo, sem o marido ao lado, sem dúvida alguma é mais difícil do que qualquer livro conta. É uma jornada desafiadora, em que precisamos assumir múltiplos papéis, seja como mãe, provedora, e muitas vezes, como conselheira. 

A sobrecarga emocional e financeira pode parecer avassaladora, sem contar as adversidades com os ex-companheiros… Ainda assim, procurei ensinar às minhas filhas que, acima de tudo, eles são pais, procurando ajudá-los numa convivência amável. A história da minha família é uma prova de que, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras, é possível superar as dificuldades e construir um futuro melhor. 

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.