Num cenário de consultório médico, ao final da primeira década dos anos 2000, esta jovem médica recém-saída da residência de ginecologia começa o atendimento de uma mulher de 82 anos. Antecedentes pessoais, cirurgias, queixas físicas pós-menopausa e então a pergunta: a senhora ainda tem relações sexuais? Num tom indignado, mas suave, acompanhado de um sorriso discreto, veio a resposta: claro que sim.

Tomada por um misto de vergonha e surpresa, sorri e falei: claro… que pergunta essa minha, não é? E seguimos conversando sobre tudo que permeia uma vida sexual: lubrificação, possíveis incômodos causados pela falta de hormônios típica da idade, parceiros, cuidados sobre isto, entre outros.

Este atendimento me fez confrontar uma realidade diferente da que me foi apresentada por anos, tanto pela sociedade como por exemplos familiares, e só reforçada pelo estudo e a prática da medicina até então. Mulheres com idades mais avançadas não são apenas (porque também são) aquelas senhorinhas bondosas de cabelo branco, avós afetuosas, desprovidas de sexualidade e por vezes de identidade enquanto mulher.

Quem é esta mulher de 70, 80 anos ou mais, que não está nas mídias, na TV, em cargos de chefia, nas academias, bares e restaurantes?

Ao longo de uma década, desde aquela consulta, fui paulatinamente aprendendo quem eram essas mulheres. O que ansiavam, como viviam suas vidas sexuais e profissionais, como cuidavam da saúde, com quem se relacionavam, que família haviam construído.

Os espaços foram gradativamente sendo tomados por rostos e corpos envelhecidos pelas marcas inexoráveis do tempo. Mulheres formadoras de opinião começaram a ocupar as mídias assumindo cabelos brancos, limitações físicas, romances – além de também tomarem para si falas sobre sexualidade, desejo e prazer.

E enfim elas chegaram à medicina, ao atendimento médico – não mais aquelas mulheres que desejam apenas curar uma doença, mas que também buscam beleza, longevidade, aconselhamento sobre práticas sexuais, que procuram cuidar da saúde mental.

Muitos de nós médicos ainda sentem diariamente aquele desconforto, causado pela quebra de paradigmas socioculturais, como os que citei no início. A estrutura da medicina ainda falha com essas mulheres. Muitos ginecologistas tendem a evitar o assunto, alegando que gera constrangimento à paciente, mas pesquisas mostram que essas mulheres desejam falar sobre sua sexualidade, e obter orientações compatíveis com a sua idade.

Até hoje, ao me deparar com uma mulher acima de 70 anos, em qualquer situação de vida, eu me lembro daquela primeira mulher de 82 que ainda tinha uma vida sexual, e todos os dias eu ainda aprendo sobre essa nova mulher da pós-menopausa, que quer cuidados para além do monitoramento de doenças crônicas.

São mullheres que ainda querem ser vistas, querem ter suas opiniões validadas, querem encontrar ou continuar vivendo um grande amor. Mulheres com identidades diversas, histórias de vida que AINDA estão sendo escritas e reescritas, com objetivos e sonhos a concretizar. E afinal, AINDA há tempo.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.