As árvores são nossas irmãs, os rios são nossos pais, os nossos avós: tem floresta em pé no Brasil graças à luta dos povos indígenas. Assim uma das mais jovens lideranças de nosso país, a ativista Txai Surui, resume a ópera do século 21. Respeitemos esse saber ou nos calemos para sempre, exauridos como o solo que teimamos em não preservar.

Se você ainda não ouviu falar da Txai: mais um motivo para celebrar o dia de hoje. Coordenadora do Movimento da Juventude Indígena, ativista do povo Paiter Suruí, na Amazônia, foi a primeira indígena a discursar na abertura de uma conferência do clima, em novembro de 2021, na Escócia. Aos 24 anos, ela ganhou projeção ao falar com segurança e conhecimento de causa sobre a necessidade urgente de frearmos as mudanças climáticas.

Aparentemente o mundo inteiro se preocupa com o clima, o aquecimento global etc, mas são os indígenas, de fato, que melhor escutam a voz dos rios. Como explica Judite Kari Guajajara, da comunidade Guajajara, assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, para as comunidades indígenas a relação com a terra é uma relação de mãe:
– Você só retira dela aquilo que é suficiente para sobreviver. Aquilo que não vai machucá-la nem degradá-la.

De suas próprias terras os povos originários têm sido retirados, e assim cada vez mais machucados e degradados, porém guerreiros – fizeram pressão internacional até que a ONU, em 1995, definiu a data de 9 de agosto como dia internacional dos povos indígenas, em um esforço para garantir condições de existência minimamente dignas aos indígenas de todo planeta.

Aqui no Brasil, segundo os dados divulgados pelo IBGE na última segunda-feira, hoje existem 1,7 milhão de pessoas que se identificam como indígenas – o que equivale a 0,8% da população total do país. São pessoas que vivem em permanente estado de luta para garantir a demarcação de seus territórios, enfrentando a invasão sistemática de suas terras há mais de 500 anos, o deslocamento compulsório, doenças devastadoras devido ao garimpo ilegal e prostituição.

O dia 9 de agosto expressa o reconhecimento internacional em relação a esses povos, o apoio irrestrito à sua autodeterminação, convocando a população a se solidarizar com a agenda de luta dos indígenas. “É um daqueles dias para a gente lembrar que não é só um dia”, observa Graciela Guarani, que há 37 anos nasceu na aldeia Jaguapiru, no Mato Grosso do Sul, e hoje vive em Pernambuco, trabalhando como roteirista e diretora de cinema.

Graciela é outro exemplo de mulher capaz de escutar os rios, pois eles falam, como escreveu Ailton Krenak, o filósofo, ambientalista e líder indígena: “sejamos água, em matéria e espírito, em nossa movência e capacidade de mudar de rumo, ou estaremos perdidos”. Quando se deu conta de que estava sem possibilidade de difundir sua arte na reserva do município de Dourado – onde 20 mil indígenas vivem numa área de apenas 3.500 hectares, cercados pela monocultura –, Graciela foi para a Ilhéus, unir-se a uma área de retomada com outros indígenas.

Primeira indígena a trabalhar como roteirista e diretora numa produção da Globo, ela celebra o 9 de agosto como uma oportunidade para expandir sua voz guarani-kayowá, e a de todas as etnias indígenas, orgulhosa de sua ancestralidade:
– Somos a raiz mais antiga, rica e resistente da cultura brasileira, somos o ontem, o hoje e o amanhã desta terra, esperança de futuro para o planeta.

Um futuro ancestral porque já estava aqui, enraizado em questões antigas que os indígenas dominam exemplarmente, como povo que considera a terra, e toda a diversidade existente nela, como parte de sua cosmologia. Daí também que o 9 de agosto se relaciona tão profundamente com o amor, e com as mulheres que cuidam da memória da criação do mundo.

Quando se trata de natureza, o que é melhor do que conversar com uma mulher indígena? Ninguém melhor do que ela para nos ensinar, na prática, o que é desenvolvimento sustentável, com um profundo conhecimento sobre a terra e sua capacidade de regeneração. Vamos ouvir e ler mulheres como Judite Guajajara:
– Não estamos sós. Toda nossa construção, enquanto mulheres, enquanto indígenas, é uma construção coletiva, que passa por nossas mães, nossas avós. São elas as guardiães de sabedoria, pilares básicos de nossa cultura, da nossa língua. São elas que estruturam nossa identidade ao longo do tempo, e assim detêm papel extraordinário na formação de nosso ser.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.