O pensamento era uma edição de instantes, rápidos e intercalados com momentos de calmaria. Algumas coisas ela não compreendia.

No colégio disseram que Kairós era um semideus da mitologia grega, do tempo da oportunidade, do momento fugaz, do espiritual, e da qualidade que faz um acontecimento ser especial no seu significado. Isto para Aninha era um enigma, só tinha 16 anos.

Em uma das aulas fizeram um exercício para aproveitar melhor o tempo, e compreender a diferença entre o tempo de Cronos que é o deus do tempo dos homens, do tempo sequencial e linear, do que pertence a Kairós, o deus do momento certo, oportuno, e do melhor instante presente, daquele momento em que se consegue abraçar a felicidade. 

 

Os anéis dos cabelos soltos e livres de Aninha, os seus olhos castanhos brilhantes e o seu sorriso deixavam no ar uma magia, ainda mais quando caminhava, e de mini saia, tão em moda.

 

Nas tardes de domingo havia uma rotina na casa, sempre convidados para o almoço, alguns casais de amigos. Depois da refeição os homens se reuniam em torno da mesa de pôquer para um joguinho. As esposas íam para a sala de visitas tomar um chá e conversar.  As primas seguiam para o jardim para trocar confidências.

Mas naquele domingo de junho um dos casais não pode comparecer. Seu Guilherme, o pai de Aninha, não teve dúvidas: ligou para um conhecido do clube para completar a mesa. Chegou Alberto, um médico, solteirão como se dizia na época, com seus 34 anos, um homem gentil, elegante, de família árabe. Foi bem aceito pelo grupo e tornou-se habitué das tardes de domingo.

Aninha e as primas tinham por costume passar pela sala, no vai e vem só para dar uma espiadinha e ver o que se passava na sala de jogo e na de visita. 

Alberto notou Aninha e Aninha notou Alberto.

A magia do amor se fez presente. Seu Guilherme não se opôs, mas observou: “filha, você tem que estudar, fazer uma faculdade”.

Aninha prestou vestibular, passou na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

Alberto levou Aninha para conhecer a família no interior de São Paulo. A família era abastada, tinha comércio e indústria. Mas o pai de Alberto detestou Aninha. Tinha outros planos para o filho. O jovem médico disse: “quero essa moça para minha esposa”.  

Muito segura, Aninha disse ao futuro marido: “Não precisamos de nada, trabalharemos e vamos cuidar da nossa vida.”

Casaram, festa bonita, vida difícil. Alguns anos mais tarde, Alberto se associou a um colega e tocaram um consultório com sucesso. Aninha estudou e se formou. Mas corajosa e cheia de ideias alugou uma casa grande e com muito jardim, montou com o marido uma casa de saúde para idosos, muito trabalho, sua dedicação foi integral. Com o tempo conseguiu comprar a casa. O negócio foi muito bem, cresceu. Aninha comprou mais duas casas. Tiveram dois filhos. Hoje Aninha e Alberto têm uma rede de casas de alto padrão para residência de idosos e uma série de consultórios.

Numa das últimas visitas à família de Alberto, o sogro disse para Aninha: “eu te perdoo”. Ao lado de Alberto, ela completou: “sabe, primeiro não preciso do seu perdão, e segundo eu fiquei com algo bem mais valioso que a herança, fiquei com Alberto”.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.