O que ajuda na manutenção das desigualdades no Brasil? Os estudos de gênero reconhecem a existência não só de uma, mas de múltiplas masculinidades que variam de acordo com o modelo de sociedade na qual os homens estão inseridos. 

A perspectiva dos homens sobre si próprios, sobre outros homens e sobre as mulheres definem os tipos de masculinidades, sendo que esses padrões tratam basicamente de relações de poder entre os gêneros e outros marcadores sociais como classe e raça/etnia, geralmente assimétricas – compondo um tecido que mantém as desigualdades no Brasil.

O gênero é uma prática social que se refere constantemente aos corpos e ao que estes fazem, não é uma prática social que se reduza unicamente ao corpo. Com isso, entendemos que o gênero não se reduz ao sexo, que é biológico, mas aos corpos que interagem nas práticas com outros corpos e com as estruturas sociais – uma vez que o agir desses corpos se estrutura dentro de três dimensões: relações de poder, relações de produção e vínculos emocionais.

Assim, desde a infância meninos e meninas são condicionados inconscientemente pelo machismo a adotarem práticas de ditos papéis de gênero, o que determinaria o “tornar-se homem” e o “tornar-se mulher”, atualmente debatidos nas teorias das masculinidades e feminilidades.

No mundo do trabalho, por exemplo, enquanto a mulher brasileira geralmente é direcionada para atividades/profissões que não produzem riqueza, o homem, pelo contrário, é instigado a atividades altamente rentáveis e que denotam prestígio e poder – uma história que vem se alterando um pouco nas últimas décadas, mas é de fato muito antiga.

O mundo patriarcal desenvolveu-se, em nosso país, a partir do período colonial. As grandes extensões de terra eram administradas por um chefe de família, a quem se subordinavam todos que estivessem nos limites territoriais do seu domínio, escravos e livres.  Os patriarcas, grandes proprietários de terras, lideravam uma família estendida, composta desde parentes consanguíneos até apadrinhados, e cada clã funcionava de forma autossuficiente e independente dos outros. 

Nesse contexto a historiadora Nísia Floresta aponta que as mulheres eram privadas do acesso à educação e à cidadania política. Além disso eram extremamente reprimidas em sua sexualidade, consideradas irracionais e incapazes, controladas em tudo.

 

O processo de urbanização transformou e ressignificou a dominação doméstica:

 

  • até 1827, mulheres não podiam frequentar escolas básicas;
  • até 1879, mulheres não podiam ingressar no Ensino Superior;
  • até 1932, mulheres não podiam votar;
  • até 1962, mulheres casadas precisavam de autorização do marido para viajar, abrir conta bancária, ter estabelecimento comercial, trabalhar e receber herança;
  • até 1983, mulheres eram impedidas de praticar esportes considerados masculinos, como o futebol.

 

A ampliação mais abrangente de direitos das mulheres no Brasil ocorreu somente com a Constituição de 1988. A questão da violência doméstica passou a ser considerada de maneira mais consistente na esfera pública brasileira por meio da criação de conselhos, secretarias de governo, centros de defesa e políticas públicas específicas, já na década de 1980. 

A primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) foi criada em 1985, em São Paulo, e a principal lei para prevenção e punição da violência doméstica é ainda mais recente, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006.”

Para demonstrar como o problema da violência doméstica contra as mulheres permanece nocivo e preocupante, pesquisa do Atlas da Violência 2020, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), nos relata que em 2018 uma mulher foi assassinada a cada duas horas no Brasil, totalizando 4.519 vítimas no referido ano, sendo 30,4% (1.355 mulheres) desse número foram relativos a casos de feminicídio (IPEA, 2020) – que ocorre “quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

A estrutura opressora do machismo no Brasil constrói o homem para dominar a mulher, devendo esta se submeter ao poder do macho, o qual se consolida com a violência legitimada por um suposto direito patriarcal.

A cultura machista e sexista em nosso país só será mitigada, portanto, com grandes esforços do movimento das mulheres e da sociedade civil que, por meio de práticas contra hegemônicas, possam contribuir para o processo de equalização dos direitos entre os gêneros, bem como constituir grupos de pressão perante as diversas instâncias de poder, com o objetivo de promover a mudança social, política e econômica.

 

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.