Coitado de Heisenberg, um usuário do site Rotten Tomatoes que deu meia estrela para Mulher-Hulk: Defensora de Heróis. “Por que, Marvel, você está fazendo essa m…? Sério, você feriu seus fãs mais verdadeiros, estou desapontado”, escreveu, em letras maiúsculas. O último episódio da série sobre a advogada inteligente que ganha poderes após ter seu sangue misturado ao do primo Bruce Banner (Mark Ruffalo) foi ao ar nesta madrugada, no Disney+, e o choro está grande lá no site, onde a série está com apenas 36% de aprovação do público no momento da escrita deste texto.

Não ligue para os Heisenbergs da vida – sim, o cara usa o nome do alter ego mau de Walter White de Breaking Bad. Mulher-Hulk é uma das coisas mais divertidas e espertas do Universo Cinematográfico Marvel (UCM), que estava mesmo precisando de uma sacudida.

ATENÇÃO PARA OS SPOILERS DO ÚLTIMO EPISÓDIO DE MULHER-HULK: DEFENSORA DE HERÓIS

E é isso que o último episódio ofereceu. Jennifer Walters (a excelente Tatiana Maslany) literalmente parou o andamento do final de temporada, invadiu a sala de roteiristas e o estúdio Marvel para reclamar dos rumos que a história estava tomando. Era o momento em que o irritante Todd (Jon Bass), fanboy da Mulher-Hulk, revelou ser o fundador da Intelligencia, um grupo de trolls que colocou no ar uma sex tape de Jennifer, e tinha acabado de injetar um soro feito com o sangue da heroína e virado um Hulk. Bruce também tinha aparecido do nada para salvá-la, e a vilã Titania (Jameela Jamil) tinha surgido, em um ambiente que já tinha Emil Blonsky (Tim Roth) transformado em Abominação.

Mulher-Hulk vai reclamar diretamente com K.E.V.I.N., que acredita ser um homem chamado Kevin – uma brincadeira metalinguística com o diretor do estúdio Kevin Feige. Mas K.E.V.I.N. é uma máquina. Ali ela reclama de todos os clichês, do soro que parece o do Capitão América, da aparição de Bruce para salvar o dia e pede a volta do Demolidor (Charlie Cox), com quem passou uma noite outro dia, “porque uma mulher tem suas necessidades”.

Ali, a personagem e a série justificaram a quebra da quarta parede, que foi muito criticada por parecer apenas um truque batido. Jennifer Walters é tão mais esperta que a maior parte dos personagens da Marvel que tinha consciência de estar em uma série. Como grande parte das mulheres, Jennifer sabe o que realmente está se passando à sua volta, e às vezes prefere entrar no jogo para evitar conflito, chateação ou ameaça.

Mas às vezes ela escolhe bater o pé por justiça. E retomar o controle de sua própria narrativa.

A história de Jennifer Walters nesta temporada de Mulher-Hulk é a de uma mulher que finalmente está conseguindo avançar em sua carreira depois de muito esforço que enfrenta uma situação inesperada. Aqui, no caso, ela ganha superpoderes. Na vida, poderia ser outra coisa.

Jennifer tem uma crise de identidade, ficando dividida entre ser uma advogada bem-sucedida, ter seus amigos, sair para beber em bares, fazer sexo, viver um relacionamento amoroso e ser uma super-heroína. Ao longo dos episódios, ela vai se acostumando com a ideia de que talvez consiga fazer as duas coisas.

A irritação dos nerdolas vem dessa insistência da série e da personagem de não se conformar com os lugares-comuns do Universo Cinematográfico Marvel. Quase todos os super-heróis têm relacionamentos amorosos altamente disfuncionais – quando têm. Não à toa, uma das piadas do primeiro episódio é justamente se o Capitão América era virgem ou não. Eles também não têm vida pessoal. Muito menos fazem sexo. Depois de uma cena em Eternos (não por acaso também escrito e dirigido por uma mulher), Mulher-Hulk é a única série que tratou do assunto. E, para piorar, quem está fazendo tudo isso é uma mulher.

Mulher-Hulk e sua criadora, Jessica Gao, também têm a coragem de zoar diretamente grupos de machos que se acham injustiçados e se juntam para criticar, xingar, perturbar mulheres nas redes sociais. É um caso claro de Galvão, sentiu por parte de alguns homens. Os trollers foram trolados.

Mas, como ninguém quer admitir isso, a reclamação é a de que não é engraçada, é uma série de tribunal sem muito tempo no tribunal (a duração de cada episódio é de meia hora) ou de que não há ação suficiente. De novo: é uma comédia com meia hora de duração, sobre uma personagem que ainda não abraçou sua condição de super-heroína. É algo que vai mudar daqui para a frente.

A crítica válida é a da qualidade dos efeitos especiais. Mulher-Hulk merecia mais. Então, Marvel, abra a mão da próxima vez.

Quando ao fã da Marvel que acredita ser apenas ele o fã que vale, uma dica: sempre dá para não assistir. Talvez Mulher-Hulk não seja mesmo para esse fã. Nem todos os quadrinhos eram para todos. Mas havia quadrinhos para todos. Por que o Universo Cinematográfico Marvel não pode ter uma série para quem quer ver algo leve, esperto, sobre as dificuldades que uma mulher enfrenta?

As reclamações de Heisenberg e companhia só fazem a primeira temporada de Mulher-Hulk ter ainda mais sentido.