Após ganhar o segundo Oscar de Melhor Animação por “Divertida Mente”, Pete Docter perguntou a si mesmo:
“E agora?”. Aos 52 anos, o diretor da Pixar refletiu sobre seus sonhos, sua carreira e os desafios que o motivavam a seguir em frente. Dessa reflexão existencial nasceu “Soul”, nova animação da Pixar já disponível na plataforma Disney+. Além de ajudá-lo a compreender o sentido da vida e promovê-lo a diretor criativo da empresa, o filme deve render-lhe ainda mais um fruto: o terceiro Oscar.

ALMA Confusão existencial: protagonista vai parar no corpo de um gato (Crédito:Divulgação)

Não se deixe enganar pelo traço delicado ou pelos personagens bonitinhos: “Soul” é uma viagem emocional com foco muito mais voltado para o público adulto do que para as crianças. Comprada pela Disney em 2006, a Pixar nunca foi um estúdio de olho apenas no público infantil. Os roteiros divertidos de filmes como “Toy Story” e “Ratatouille” sempre foram disfarces perfeitos para histórias complexas e profundas, uma maneira inteligente de atrair os pais enquanto encantava os filhos. Longas como “Up! – Altas Aventuras” e “Viva – A Vida é uma Festa” já abordaram de forma sutil a dor do luto. Em “Soul”, no entanto, a morte passa a ser o tema principal. Ela não é tratada como o triste final de uma trajetória terrena, mas como catalisadora de uma reflexão sobre o valor que damos a nossa própria existência. Quais são as coisas realmente importantes que, ao olhar para trás e pensar em tudo que fizemos, poderemos dizer que valeu a pena?

Em termos narrativos, o filme conta a história de Joe Gardner, professor de música que sempre sonhou em ser um grande pianista de jazz. Quando surge a oportunidade de sua vida, a chance de dividir o palco com uma cantora famosa, ele morre antes do show. Inconformado com o destino, se recusa a ir para o lugar representado como “pós-vida”. Nessa confusão, segue ao ambiente oposto, o “pré-vida”, onde cada alma ganha a sua personalidade antes de começar a viver. É ali que Joe conhece 22, uma garota rebelde que não deseja sequer nascer. Surge então uma relação de mentor e protegida que leva a dupla a aventuras pelas ruas de Nova York.

Primeiro protagonista negro da Pixar revela sua busca pela diversidade: projeto de 2022 terá garota chinesa que se transforma em um panda

Ao escolher um pianista como protagonista, “Soul” traz a música para o centro da trama e a torna um dos destaques do filme. Sob a consultoria criativa do mestre Herbie Hancock, a trilha sonora é dividida em duas partes: as canções de jazz do “mundo real”, compostas por Jon Batiste, maestro do programa de talk-show do americano Stephen Colbert, e as etéreas melodias do mundo do além, criadas por Trent Reznor e Atticus Ross, da banda Nine Inch Nails. A música foi levada a sério inclusive pela área tecnológica da Pixar: as performances de Jon Batiste tocando piano foram filmadas e transformadas em imagens 3D, tornando as cenas em que Joe toca tecnicamente realistas nos mínimos detalhes. Até o palco dos sonhos do personagem foi inspirado em uma locação real: o Village Vanguard, lendário templo do jazz fundado em 1935 e frequentado por nomes como Miles Davis e John Coltrane.

AEROGEL Ambiente etéreo: personagens inspirados pelo material sintético mais leve do planeta (Crédito:Divulgação)

Joe Gardner é o primeiro protagonista negro de um filme da Pixar. O ator que dubla sua voz é Jamie Foxx, vencedor do Oscar de Melhor Ator por “Ray”, cinebiografia do pianista Ray Charles. Quem faz o papel da rebelde personagem 22 é a atriz Tina Fey, da série “30 Rock”. Pete Docter contou com a colaboração de Kemp Powers, codiretor nova-iorquino, negro e que também se arrisca no piano. A estratégia da Pixar de valorizar a diversidade vai ganhar força em 2022 com um projeto dirigido pela chinesa Domee Shi: “Turning Red” contará a história de Mei, uma garota que se transforma em um panda vermelho gigante quando fica empolgada. Aguarde mais filosofia animada por aí.