O ateliê de Romero Britto fica no bairro mais descolado de Miami Beach, Wynwood. Lá, respira-se arte e design em praticamente todas as esquinas. O Wynwood Art District está repleto de galerias, lojas, cafés, bares e restaurantes da moda. Os muros são grafitados por artistas do mundo inteiro, incluindo os brasileiros Speto, Cobra e Os Gêmeos. O famoso Wynwood Walls e a Art Basel Miami, que ocorre sempre em dezembro, mudaram a cara do bairro e colocaram Miami entre os circuitos culturais e artísticos mais relevantes do mundo. A entrada do estúdio de Romero não podia ser diferente, com a parede grafitada e os corações que são a sua marca registrada, logo na porta de entrada. Quem anda pela rua pode não notar, mas lá dentro fica o mundo encantado de Romero Britto. Na recepção, a simpática secretária, Dora Abril, e a cachorrinha amistosa Lisa Pop, dão as boas-vindas. Dora promove um tour guiado pelo ateliê. Não há palavra melhor diante do tamanho do lugar. A organização é impecável, como fotos do artista ao lado de celebridades globais por todas as paredes, do papa à rainha da Inglaterra. Telas impecavelmente guardadas estão prontas para serem pintadas. Perto, impressos e trabalhos prontos para finalização e assinatura. A sensação é de estar dentro de uma vibrante e colorida agência de publicidade onde atuam diversos profissionais ligados ao pop. Pensando bem, diante de um artista com tamanha produção e que transforma seus trabalhos produtos licenciados, franquias e parcerias com marcas consagradas, não poderia ser diferente. Romero Britto funciona como um estúdio de um homem só. Carismático e atencioso, dedicou parte de uma tarde para receber ISTOÉ.

Mais que um artista, você virou uma marca. Isso limita sua criação?

Não, na verdade eu gosto de dividir minha arte com muita gente. O fato de que muitos falam de marca, de branding, não me importa. O importante é o sucesso ter trazido a oportunidade de trabalhar com empresas que querem alcançar o grande público. No passado, eram os grandes colecionadores, hoje, são os grandes colecionadores e também as grandes empresas que querem alcançar as pessoas por meio das artes. É uma grande oportunidade, não só para mim, mas para vários artistas que querem trabalhar com as grandes corporações.

Seu estilo passou a ser imitado e copiado. O que você vê de bom e de ruim em ser tão popular e massificado?

Eu nunca imaginei que minha arte chegasse a ser copiada em várias partes do mundo, como na China, Brasil, Europa e países da América Latina. É bom e ruim ao mesmo tempo, é algo que decorre naturalmente do sucesso. Você tem que saber lidar com ele. Graças a Deus, tem um monte de gente por aí que deseja colecionar meus trabalhos originais.

Sua arte permitiu que você conhecesse pessoas influentes em todos os lugares do mundo. Quais as amizades que você tem mais em conta?

Eu tenho gratidão por tanta gente, mas muita gente mesmo. São pessoas que fizeram coisas inesquecíveis na minha vida. Podem se gestos pequenos ou grandes. Tenho grande gratidão e estima a um dos maiores colecionadores de arte, Carlos Slim, e sua família. Eles são grandes apoiadores da minha arte.

Alguma vez na vida você se arrependeu por ter pintado quadros para famosos ou políticos?

Realmente eu me arrependo, mas você nunca sabe, né. A história muda, o mundo muda, especialmente quando você lida com política e políticos. Nada é estático. Vi um filme sobre o bilionário Jean Paul Getty, em que ele afirma que a arte é a única coisa que não muda na vida, enquanto todo o resto se transforma sem parar, o tempo todo.

Que conselho você daria para jovens que batalham para conseguir espaço na arte?

Acho que pintar bastante, ser bem dedicado e dividir sua arte com quanto mais gente melhor. Se você não dividir a sua arte, fica difícil. É complicado para você poder difundir seu trabalho nesse mundo digital, onde milhões de imagens está sendo imitidas e copiadas mundo afora por gente de todas as idades. As pessoas estão sendo bombardeadas com imagens. Não é que o artista esteja competindo com o mundo digital. Mas, se você não criar, vai ser complicado difundir sua obra. As imagens estão vindo a cada segundo, sempre tem algo novo chegando.

Você consome obras de arte? Quais são seus artistas preferidos?

Olha, eu tenho várias obras de arte. Sempre gostei de tê-las. A primeira obra de arte que adquiri foi uma gravura do Salvador Dali. Comprei no Hotel Meurice, em Paris. Naquele tempo, muitos anos atrás, eu não sabia que Salvador Dalí tinha morado naquele hotel. Eu estava hospedado ali e fiquei sabendo que o Dali adorava o hotel. Foi por isso que o Philippe Starck fez toda uma nova decoração do lugar inspirada nele. O lobby, as cadeiras, tudo era Salvador Dalí, um atista que adoro, por isso tenho algumas obras dele. Também tenho trabalhos de artistas mais recentes, além, claro, de gênios como Andy Warhol, Picasso e Matisse.

INÍCIO DE CARREIRA Romero pintava em folhas de jornal nas ruas de Miami até ser decoberto por um marchand que o levou para as galerias de arte (Crédito:Divulgação)

Na internet há muita zoeira e memes usando suas obras. É algo que te incomoda?

Vou dizer uma coisa para você. Aprendi ainda muito jovem a lidar com toda essa dinâmica, essa nova maneira das pessoas se comunicarem, se expressarem. Elas nem sabem direito o que tá expressando, entende? Mas querem fazer isso, então, tudo bem. Que se expressem.

No Brasil, seu trabalho é adorado, mas a elite artística torce o nariz. Parece o mesmo comportamento adotado contra o escritor Paulo Coelho. Isso te deixa magoado?

Não, sabe por quê? Se trata de um desconhecimento. Em geral, as pessoas reagem contra. É mais fácil alguém fazer um comentário negativo do que um positivo diante de algo que não conhecem. Por outro lado, fico muito feliz de ter a minha arte em residências e coleções de pessoas que colecionam obras de arte. Aqui nos EUA meus trabalhos fazem parte de coleções de gente que tem Jasper Johns na parede. E não é qualquer Jasper Johns. É coisa de 100 milhões de dólares exposta na mesma casa que está a minha arte. Fico orgulhoso. O Carlos Slim e seus filhos têm 69 mil obras de arte guardadas. Se eles escolheram minha arte para ficar na casa e no museu deles, é isso que conta. Não dou atenção aos comentários negativos. Isso é algo que vai se resolver com o tempo. Vários artistas não eram aceitos quando jovens. Se você for ver a história do Picasso, muita gente também não o aceitava. Andy Warhol então, nem se fala. Por isso, acredito que tudo isso faça parte do processo artístico.

Você começou a pintar nos Estados Unidos e teve dificuldades até ser reconhecido. A quem você atribui sua fama? Quem reconheceu primeiro seu talento?

A muitas pessoas. Não foi uma só que me descobriu nos Estados Unidos. Houve um projeto que fiz lá no início que ficou muito legal. Era uma campanha publicitária da vodca Absolut. Por meio dela, minha arte foi imediatamente vista por milhões de pessoas. Agradeço demais ao apoio e atenção do Michel Roux, um francês muito sofisticado. Ele foi o primeiro artista que me colecionou. Aquela campanha da vodca começou com obras do Andy Warhol, seguida do Keith Haring. Meu trabalho foi o terceiro dessa leva e me projetou.

Suas obras chegaram até milhões de pessoas que não tinham conhecimentos sbre arte. Como sua participação na cena artística mudou?

Fico muito feliz que você esteja falando disso. É um grande privilégio e uma honra poder levar minha arte para tantas pessoas e participar de tantas coisas. Sempre estive aberto para dividir minha arte com muita gente e jamais estive preocupado em mostrar minha arte primeiro nos museus. O tempo passou e meu aniversário de 50 anos foi no museu do Carlos Slim. Foi o máximo. Minha arte estava lá junto com Michelangelo, Rodin e muitos outros. Pela primeira vez, a família Slim homenageou um artista vivo em uma festa no museu. Para mim, foi uma grande homenagem.

Muita gente não sabe, mas você fez diversos trabalhos para a família real britânica. Como é a sua relação com membros da realeza?

Tive muita sorte quando eu fiz um projeto de pirâmide para homenagear a exposição sobre o faraó Tutancâmon em Londres. Nessa ocasião, conheci o príncipe Charles. Anos depois, fui convidado para eventos da fundação dele e, finalmente, há uns quatro anos comecei a fazer parte do Trustee of Prince’s Trust International, algo como membro honorário da ONG do príncipe Charles, primeiro na linha de sucessão da rainha Elizabeth II. É uma grande honra e um privilégio fazer parte de uma fundação tão bonita e maravilhosa como essa na qual o príncipe trabalha hà 40 anos. Foi algo que também abriu portas para mim. Conheci vários membros da família real britânica e tenho uma grande admiração pelo que eles representam na história, não só da Inglaterra, mas do mundo. Acredito que o mundo esteja passando por um momento difícil, na qual as pessoas estão procurando, clmando por algum tipo de identidade. Então, é legal você ter um país como o Reino Unido, onde há uma grande herança cultural que gera um setimento de identificação nas pessoas. Eles formam uma dinastia e dão uma espécie de sentido de pertencimento à população. É algo que nós, brasileiros, não conhecemos direito.

Você tem algum projeto novo ou alguma parceria que você gostaria de contar?

Adoraria, mas não posso falar sobre tudo o que está acontecendo neste momento. Tenho vários projetos em andamento e até parcerias com os estúdios Disney. Um que irá ficar superlegal e está sendo emocionante para mim é um desenho animado infantil que desenvolvo para a televisão. É um trabalho que pretendo terminar em algum momento entre o final 2019 e a primavera de 2020.