No mundo todo, a indústria automobilística se prepara para uma ruptura tecnológica, que vem exigindo de todo o setor drásticas mudanças de estruturas – o que envolve grandes investimentos. “As montadoras precisam de caixa para atender ao novo mercado, que terá ênfase em carros elétricos, autônomos, conectados e mobilidade compartilhada”, afirma Paulo Cardamone, presidente da Bright Consulting.

Essa talvez seja a explicação para a fala da presidente mundial da General Motors (GM), Mary Barra, ao se referir recentemente às operações na América do Sul. “Não vamos continuar investindo para perder dinheiro.”

Também há receios no mercado de que a Ford, que afirma ter prejuízos no Brasil desde 2013, possa fechar fábricas – movimento negado pela empresa várias vezes. Nos Estados Unidos, a companhia passa por forte reestruturação e decidiu parar gradativamente a produção de carros menores e focar apenas em utilitários-esportivos (SUVs) e picapes, produtos mais rentáveis.

A Ford enfrenta pressão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para trazer um novo projeto para a fábrica de São Bernardo do Campo, onde produz apenas o Fiesta, modelo de baixa venda, e caminhões. Os trabalhadores temem pelo futuro da unidade, a mais antiga do grupo no País, e terão uma reunião com o presidente da companhia na América do Sul, Lyle Watters, na próxima semana.

Em Taubaté, onde tem uma linha de motores, a Ford tentou recentemente cortar 350 vagas por meio de um programa de demissão voluntária (PDV), mas obteve apenas 128 adesões. No mês passado, os trabalhadores pararam a produção por três dias em protesto contra 12 demissões. Agora, as partes negociam uma alternativa para o excedente de pessoal – que, segundo a empresa, foi causado pela queda das exportações para a Argentina.

Cardamone não acredita que alguma montadora vá deixar o Brasil, um dos poucos mercados que ainda têm potencial de crescimento, apesar de suas crises. “O que deve ocorrer são ajustes de capacidade, com fechamento de algumas fábricas mais ociosas, mas as companhias continuarão no País.”

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Cadeia longa

Tido como um dos mais beneficiados por governos, o setor automotivo representa uma longa cadeia produtiva que começa no plantio do algodão usado nos bancos e na extração de minério de ferro para a produção do aço e vai até às autoescolas, que oferecem aulas de condução, e fabricantes de sachês com cheirinho de “carro novo”.

De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a cadeia automotiva emprega 1,3 milhão de pessoas e contribui com 22% do PIB industrial. No ano passado, o setor arrecadou R$ 55 bilhões em tributos.

Algumas fábricas podem fazer estragos significativos nas cidades onde estão instaladas ao fechar as portas. A fábrica da GM em São Caetano do Sul, encurralada em uma área no meio da região central da cidade mais rica do ABC paulista, foi responsável em 2018 por 24% do ICMS arrecadado pelo município, cerca de R$ 80 milhões. Em ISS, pagou R$ 6,5 milhões, 3% do total, segundo dados preliminares da Secretaria Municipal de Fazenda. A unidade emprega cerca de 8 mil trabalhadores.

A filial de São José dos Campos (SP), que conseguiu na semana passada um acordo de redução de salários e outros direitos trabalhistas com os cerca de 4,8 mil funcionários, é a terceira maior empresa da cidade, atrás da Revap e da Embraer.

Em Gravataí (RS), a montadora colabora com 45% da arrecadação de ICMS e opera em um moderno complexo com 16 fabricantes de autopeças instalados ao redor da linha de montagem. Juntos, GM e fornecedores empregam 8 mil pessoas.

“A indústria automobilística brasileira é muito avançada, emprega muito e traz novas tecnologias, mas poderia trazer mais”, diz Cardamone. Para ele, em termos de qualidade, os carros nacionais ainda estão atrás do que se vê em países mais desenvolvidos.

Capacidade ociosa

O cenário que aponta para uma ruptura do modelo atual de produção de veículos ocorre em um momento em que a maioria das montadoras do Brasil opera com ociosidade de cerca de 40%. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) prevê uma produção de 3 milhões de veículos neste ano, ante uma capacidade instalada de 5 milhões de unidades.

Além da queda no mercado interno nos últimos anos, a forte redução das exportações para a Argentina colabora com o baixo uso da capacidade. David Wong, diretor da consultoria A.T. Kearney, diz que dificilmente uma empresa tem resultados positivos se opera abaixo de 75% da capacidade produtiva. “E esse é um problema principalmente nas grandes empresas, que têm várias fábricas no País.”

Wong ressalta ainda que benefícios fiscais dados nos últimos anos pelos governos federal e estaduais estão acabando, o que deve dificultar a situação de várias companhias.


Um movimento que tem ganhado corpo internacionalmente, e que favorece também as subsidiárias brasileiras, são as parcerias entre marcas distintas para compartilhar investimentos em novas tecnologias, principalmente aqueles que envolvem os carros elétricos e os autônomos. Recentemente, a Volkswagen e a Ford firmaram parceria para o desenvolvimento conjunto de veículos comerciais, começando com uma picape. Na região, o veículo deverá ser produzido na Argentina e exportado para o Brasil.

Dando a volta

Apesar da recuperação das vendas ainda ser lenta, algumas marcas projetam resultados positivos para este ano no País. No vermelho desde 2015, a Volkswagen espera voltar ao lucro na região neste ano, informa o presidente da companhia, Pablo Di Si. No ano passado, o grupo esteve próximo do equilíbrio.

Segundo o executivo, as fábricas de automóveis de São Bernardo do Campo e Taubaté operam em capacidade plena. A unidade de São José dos Pinhais (PR) inicia este mês a produção do T-Cross, primeiro SUV da marca no País, e Di Si espera ocupar toda a fábrica em breve.

A FCA Fiat Chrysler – que obteve lucro no Brasil em 2018, puxado pelas operações da Jeep, em Goiana (PE) – vai investir R$ 14 bilhões até 2022, boa parte em novos produtos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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