Ahmed mudou de escola e setembro para perseguir seu sonho, virar jogador de futebol, mas nunca esquecerá o primeiro dia de aula, quando um professor afirmou diante de toda a classe: “Se pensa em explodir uma bomba, avisa, tenho uma filha que precisa de mim”.

O caso deste belga nascido há 16 anos na região norte do Marrocos não é o único. Os atentados de 22 de março de 2016 em Bruxelas, reivindicados pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI), deixaram 32 mortos e centenas de feridos, mas também provocaram o aumento da islamofobia.

“Dentro de mim, isto me afetou, mas para não demonstrar eu ri como todos”, recorda o jovem, que desde então ouviu comentários similares durante os três meses que permaneceu no local.

“Tudo isto por minha origem”, disse.

Os atentados criaram um ambiente mais difícil para os muçulmanos ou pessoas consideradas muçulmanas, constatou apenas um mês depois dos ataques o organismo belga de luta contra a discriminação UNIA.

“Não podemos negar a realidade: os atentados deixaram sua marca”, disse o diretor da UNIA, Patrick Charlier.

Para a organização, que adiou para abril a divulgação do relatório anual sobre discriminação racial ou religiosa, o mais preocupante durante os dias posteriores aos atentados foi o “grau de violência” dos atos de islamofobia, uma análise compartilhada pelo Coletivo contra a Islamofobia na Bélgica (CCIB).

“Os atos islamofóbicos aumentaram em número e gravidade”, explica Hajib El Hajjaji, vice-presidente do CCIB.

A organização de voluntários registrou 120 atos de violência em 2016, 36 deles no primeiro mês após os atentados, o que representa pelo menos um ato por dia.

Sem grandes manifestações de xenofobia, os atos se concentraram na vida cotidiana dos muçulmanos, mas sobretudo das muçulmanas: insultos nas ruas e nas redes sociais e até mesmo agressões físicas, como caso de uma mulher na saída de um hospital aos gritos de “raça de merda” em 23 de março do ano passado, recorda o CCIB.

Na área do emprego, a discriminação também é patente, de acordo com números preliminares da UNIA. Em 2016, os casos abertos com base em critérios raciais ou religiosos aumentaram 14% e 91%, respectivamente.

Até no futebol os ataques foram registrados. Após uma partida recente contra o Charleroi pela primeira divisão belga, o atacante franco-argelino Idriss Saadi, do Courtrai, expressou toda sua irritação ao ouvir os gritos de “árabe sujo, terrorista sujo”.

Para o vice-presidente do CCIB, estes casos são “apenas a parte visível do iceberg”, já que muitas pessoas não apresentam denúncias pelo “contexto terrorista”, a perda de confiança em instituições como a polícia ou as dúvidas sobre reconhecer-se como vítima.

Ao mesmo tempo, ele destaca “os gestos de amizade” de uma parte da sociedade.

Após os atentados de Paris em novembro de 2015 e de Bruxelas, o governo belga adotou o Plano Canal, que tem por objetivo lutar contra a radicalização em bairros com uma importante comunidade muçulmana, como Molenbeek.

As ONGs, no entanto, criticam o caráter especialmente repressivo, ainda mais quando a polícia utiliza critérios supostamente étnicos e religiosos para realizar controles, uma prática “ilegal” com base no direito internacional.