A primeira obra de arte que o casal Dulce e João Carlos Figueiredo Ferraz comprou e que formaria o núcleo original da sua coleção de arte foi uma tela, Dispneia Parafernália, pintada em 1981 pelo artista carioca Jorge Guinle (1947-1987), que havia voltado ao Brasil em 1977 e despontava como uma promessa da pintura brasileira em plena emergência da onda neoexpressionista.

Nessa época, a revalorização da pintura favoreceu o advento de vários grupos, entre eles os artistas da chamada Geração 80, da qual Guinle fazia parte. Em São Paulo, o grupo que mais se destacou foi o Casa 7, formado, entre outros, pelo pintores Fábio Miguez, Nuno Ramos e Rodrigo Andrade. Os três últimos artistas estão também presentes na exposição Construções e Geometrias, recorte da coleção feito pelo curador Cauê Alves.

A mostra, que será aberta neste sábado, 8, integra a série Coleções no MuBE – Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia, que tem como objetivo aproximar o grande público de importantes coleções particulares. E a do casal Figueiredo Ferraz, com mais de 1 mil obras, é certamente uma das maiores e mais coerentes. Por meio dela é possível entender a evolução da arte contemporânea brasileira nas últimas quatro décadas e suas vertentes mais representativas.

Por tudo isso, o colecionador, que construiu um instituto em Ribeirão Preto para abrigar sua coleção, foi homenageado ontem à noite, 7, com o prêmio MuBE Colecionismo e Apoio à Arte, cuja primeira edição teve uma escultura desenhada pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, o criador do prédio do museu.

Foi pensando na arquitetura brutalista do belo edifício projetado por ele que o curador da mostra e também diretor do museu, Cauê Alves, decidiu optar por um recorte que privilegiasse obras direta ou indiretamente vinculadas à vertente construtiva e geométrica presentes na coleção Figueiredo Ferraz. É interessante notar que esse acervo foi construído sem a intenção de seguir apenas uma escola, mas conseguiu reunir, de forma orgânica, artistas de várias tendências.

A exemplo de uma das primeiras mostras da coleção, realizada em 2012 pelo próprio Cauê, o curador buscou reinventar vínculos entre obras do acervo do instituto produzidas por artistas não necessariamente ligados ao construtivismo ou à abstração geométrica. Respeitando a singularidade de cada criador, ele propõe algo além de um vínculo formal ou conceitual: mostra mesmo como a coleção, antes de resultar de uma seleção uniforme, buscou contemplar a diversidade – daí seu caráter atemporal, abrigando desde neoexpressionistas a artistas concretos e neoconcretos, o que reforça seu caráter pendular, permitindo ao público fazer um percurso histórico pela arte brasileira dos anos 1980 até o presente.

“Embora a preocupação não seja histórica, o visitante vai encontrar logo na entrada alguns dos artistas mais importantes de tendência construtiva ou geométrica, como Amilcar de Castro ou Lizárraga”, esclarece o curador Cauê Alves. “Há até uma brincadeira em torno dessa vocação construtiva da arte brasileira, uma tela de Nelson Leirner que desconstrói a ordem rigorosa com um quadrado feito de pele de boi, imitando uma pintura”.

São 57 obras em exposição assinadas por 55 artistas – não só construtivistas, como provam as peças de Adriana Varejão (Distância, de 1996, irônico simulacro de boteco) ou Cildo Meireles (Ouro e Paus Engradados, de 1995, que brinca com o conceito de objetivo ativo criado por Willys de Castro, emulado numa peça de madeira cravejada por pregos de ouro).

A coleção do economista e ex-presidente da Bienal de São Paulo revela uma aproximação maior deste com os artistas que começaram sua carreira nos anos 1980, cuja poética se distancia do construtivismo sem, no entanto, abjurar sua influência. Um deles é Paulo Pasta, que ganhou uma sala permanente no Instituto Figueiredo Ferraz. Outro é o português Cabrita Reis.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.