Três meses após desocupar uma área de pesquisa da Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE), sob promessas do governo Luiz Inácio Lula da Silva de novos assentamentos, o Movimento dos Sem Terra (MST) voltou a invadir a unidade e escancarou a pressão sobre a gestão petista. A nova ação do MST deu combustível para a ala ruralista no Congresso e renovou os temores de insegurança jurídica no campo.

Durante o chamado “Abril Vermelho”, quando o movimento intensificou ações pelo País, os sem-terra invadiram, além da área da Embrapa, terras produtivas, e avisaram que, se o governo federal não cumprisse os acordos firmados, retomariam a ofensiva.

No domingo, 30, cerca de 1,5 mil integrantes do MST voltaram a ocupar a Embrapa Semiárido, desta vez um centro de experimentos de produção em ambientes com escassez de água e para a multiplicação de material genético de sementes e mudas. Segundo os sem-terra, a decisão foi tomada porque o governo Lula não honrou a promessa de destinar áreas para assentar famílias na região e, desde as desocupações em abril, não houve avanço nos acordos. Na noite de ontem, no entanto, a Embrapa informou que o grupo havia deixado o local.

“Ao mesmo tempo que manifestamos nosso repúdio a esse ato, informamos que a Embrapa rapidamente adotou todas as medidas necessárias para a desocupação da área”, afirmou o órgão, em nota. Disse, ainda, que teve “apoio interno e de várias estruturas do governo, incluindo ministérios, Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e outras instâncias competentes”.

A nova invasão aconteceu às vésperas do Semiárido Show, um dos eventos mais importantes da região, voltado a pequenos agricultores. A abertura da feira ocorre hoje. “Todos os ocupantes se retiraram e os trabalhos para a finalização da estrutura para a abertura do evento seguem normalmente”, afirmou a Embrapa.

Demandas

Em abril, o MST ampliou a lista de exigências ao governo enquanto mantinha áreas produtivas e de pesquisa sob o controle de militantes. Após ter cedido e feito nomeações em órgãos federais, a gestão petista se mobilizou na época para receber mais demandas, convocando os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e da Fazenda, Fernando Haddad.

A ofensiva do MST no Abril Vermelho já havia causado problemas para o governo, afastando o Palácio do Planalto da Agrishow, maior evento do agronegócio da América Latina, em Ribeirão Preto (SP). O ministro da Agricultura chegou a ser “desconvidado” da abertura da feira após ter sido informado pelos organizadores de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria presente. Fávaro estava em situação desconfortável com setores do agro com a retomada de invasões.

Como reação, a bancada ruralista na Câmara conseguiu apoio para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST. As audiências do colegiado serão retomadas hoje, quando está previsto o depoimento do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, general G. Dias. Ele deve ser questionado se Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tinha de conhecimento das invasões retomadas há três meses. O presidente da CPI, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), classificou as ações do grupo como um “deboche” (mais informações nesta página).

Reação

Apesar de o MST ter deixado a área da Embrapa, o episódio causou novo desgaste para o Planalto. Além dos trabalhos da CPI voltarem o foco para o governo, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) cobrou o Executivo. “A estratégia de invadir terras do Incra e da Embrapa expõe a segurança dos criminosos no governo federal, que diz manter diálogo com o MST”, disse a frente. “A pacificação no campo passa por políticas públicas de qualidade, mas também por ações contundentes, que, se não surgem do Executivo, surgirão do Legislativo.” Mais cedo, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), classificou a ação como “invasão de caráter meramente político para mandar recado para o governo aliado deles”.

Em junho, Lula afirmou que “não precisa mais invadir terra” no Brasil. “É simples, não precisa ter barulho, não precisa ter guerra”, disse o presidente durante a live semanal “Conversa com o Presidente”.

Cobranças

A reocupação da área da Embrapa em Pernambuco foi decidida em assembleia. “Nós elegemos o governo Lula e precisamos que cumpra seu papel em atender às demandas da reforma agrária e possa cumprir as políticas voltadas para os movimentos sociais, e não somente servir o agronegócio”, disse o representante do MST em Pernambuco Jaime Amorim. Segundo o movimento, havia sido prometido que parte dos 2 mil hectares da fazenda da Embrapa seria destinada para assentar famílias.

O governo também teria se comprometido, conforme os militantes, a destinar áreas de outros órgãos federais, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), para assentamentos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário não havia se manifestado até a noite de ontem.

‘Deboche’ e ‘conivência’

O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), classificou a nova invasão do grupo, em unidade da Embrapa, em Pernambuco, como “inadmissível”. Para o deputado, a ação é um “deboche com a sociedade” e expõe um governo federal conivente.

“É inadmissível o MST alegar que o governo não está cumprindo os acordos. O MST está dentro do governo”, afirmou Zucco. “Isso é uma conivência do governo, que não se posiciona contra esses crimes que estão sendo cometidos. Vamos na CPI investigar essas invasões criminosas.”

Líderes

A CPI do MST retoma suas atividades nesta terça-feira, 1º. O líder do movimento, João Pedro Stedile, e o líder da Frente Nacional de Luta (FNL), José Rainha Júnior, participarão das audiências. Rainha deve ser ouvido nesta quinta-feira.

“Essas invasões deixam claro que o MST desrespeita o governo, o agro e a sociedade. Desde quando um movimento que comete crime tem que dar condições ao governo federal para não invadir?”, questionou Zucco.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.