O Ministério Público de São Paulo (MPE-SP) investiga suspeita de que médicos da rede Prevent Senior estariam sendo pressionados para prescrever remédios sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus, ignorando riscos de efeitos colaterais nos pacientes. Em nota, a operadora de saúde nega a acusação e diz respeitar a autonomia dos médicos.

No inquérito civil, instaurado no dia 24 de março, o promotor de Justiça Arthur Pinto Filho, da área de Saúde Pública, diz ter recebido denúncia anônima de que profissionais da rede seriam forçados a ministrar os medicamentos em pessoas internadas. “O representante alega que os médicos estão pressionados pela empresa a prescreverem, notadamente, Flutamida e Etanercept, ignorando-se por completo os seus potenciais efeitos colaterais.”

À promotoria, também foram enviados prints de conversas de médicos da Prevent Senior, em um grupo de WhatsApp. Uma mensagem, atribuída a um diretor da operadora, afirma: “Bom plantão a todos e enfatizo a importância da prescrição da Flutamida 250 mg de 8/8hs para todos os pacientes que internarem. Estamos muito animados com a melhora dos pacientes”.

Flutamida é um fármaco usado no tratamento de câncer de próstata. Em 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) chegou a divulgar alerta após receber notificação de cinco casos de hepatite fulminante em mulheres jovens, de 21 a 35 anos, que usaram o medicamento contra perda de cabelo, aumento de pelos ou acne. Quatro morreram na época.

Já o Etanercept serve para tratar artrite e é contraindicado para pacientes com infecções ativas sérias. Não há estudo científico ou indicação de órgãos médicos para ministrar esses medicamentos para quadros de covid.

O caso foi revelado pelo repórter Guilherme Balza, da Globonews. Em matéria veiculada no domingo, 11, a emissora afirma ter conversado com cinco médicos que trabalharam na Prevent Senior.

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Segundo a reportagem, os profissionais relataram uma rotina de assédio para prescrever os medicamentos, sob risco de serem demitidos caso se negassem a seguir a recomendação da operadora. Dois deles também teriam feito plantão em hospitais da rede mesmo tendo recebido diagnóstico de coronavírus.

‘Kit covid’

O inquérito civil apura, ainda, suposta prática de distribuição generalizada do chamado “kit covid” — composto por medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina. Esses remédios são indicados para outros tratamentos, como contra malária ou infestação por parasita (piolho, por exemplo).

Segundo a promotoria, há suspeita de que as receitas sejam distribuídas ainda antes da consulta, até para pessoas à espera do exame da covid. Assinada por um diretor-executivo da Prevent Senior, a prescrição aconteceria mesmo sem a comprovação da patologia ou do histórico médico do paciente.

“Além de distribuir medicamentos sem eficácia comprovada, que podem gerar graves problemas de saúde aos usuários, o faz em completo desacordo com as normas do CFM (Conselho Federal de Medicina)”, registrou o MPE-SP, ao instaurar o inquérito.

Após uma série de estudos realizados desde o ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a desaconselhar o uso de cloroquina contra a covid. Contudo, o CFM mantém o parecer de que o remédio pode ser prescrito, contanto que seja respeitada a autonomia do médico e haja consentimento do paciente.

Segundo o órgão, os profissionais de saúde também devem explicar que “não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença”. Caso divulguem o “kit covid” como “cura milagrosa”, podem responder a sindicância nos conselhos regionais.

Em março, o Estadão mostrou que o uso do kit covid levou cinco pacientes à fila de transplante de fígado em São Paulo e é apontado como causa de ao menos três mortes por hepatite causada por remédios. O uso desses medicamentos também pode estar ligado a hemorragias, insuficiência renal e arritmias.

Em nota, a Prevent Senior afirma que “jamais coagiu médicos a trabalhar doentes, o que foi atestado recentemente por vistorias de conselhos de classe” e que “dá aos médicos a prerrogativa de adotar os procedimentos que julgarem necessários, com toda a segurança e eficiência”. Também diz que os todos os prestadores de serviço que precisaram ser afastados “continuaram a receber salários”.

“A Prevent Senior tem todo o interesse nas investigações do Ministério Público, instituição de extrema importância e seriedade que, ao final das apurações, constatará que seus médicos agiram sempre de acordo com os marcos legais e na defesa da saúde dos pacientes”, afirma.

A operadora diz já ter salvo mais de 36 mil pacientes e defende os resultados dos hospitais da rede. “A taxa de mortalidade é de 7% para pacientes acima de 60 anos, metade do que é observado no Estado de São Paulo.”


Prevent Senior afirma, ainda, que abriu investigações internas para apurar suposta “utilização indevida de dados de prontuários médicos, o que configura crime de divulgação de segredo”. Segundo a operadora, dados sigilosos teriam sido distorcidos e vazados à imprensa por um ex-funcionário, supostamente gerando uma falsa denúncia.

“Lamentavelmente, um médico demitido e já identificado usou de sua função para violar informações sigilosas de pacientes que não havia atendido para prejudicar a empresa”, diz. “Por isso, a operadora moverá ações judiciais nas esferas cível e criminal.”


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