Em um primeiro momento, VeRo, novo trabalho da coreógrafa Deborah Colker que estreia na quinta-feira, 23, abrindo a Temporada de Dança do Teatro Alfa, parece inspirado em antigos espetáculos, Velox, de 1975, e Rota, de 1997 – até a contração da palavra VeRo faz com que o espectador raciocine desse jeito. Mas não se trata unicamente de uma fusão: “Cada espetáculo tem sua própria história, mas, em VeRo, eu quis juntar momentos incríveis daqueles trabalhos porque eles propõem questões que até hoje me inspiram”, conta Deborah.

Trata-se basicamente da noção de espaço e de como resulta em algo contraditório o diálogo com o espaço. Trocando em miúdos, Deborah trabalha cada vez com uma abrangência de estilos, ou seja, para ela, a dança não pode se resumir ao clássico – daí a bem-vinda “invasão”, por exemplo, da dança de rua. “Desde que comecei a trabalhar com o poema Cão Sem Plumas, de João Cabral de Melo Neto, há um ano, tive a certeza de que precisava mexer na formação da companhia, de ‘sujar’ nosso trabalho”, reforça a coreógrafa.

Assim, firme nessa crença, Deborah idealizou VeRo com movimentos artísticos que remetem à prática esportiva como veículo para a liberdade expressiva e orgânica, refletida no espírito olímpico. É preciso lembrar que Deborah Colker se tornou uma das mais conhecidas e admiradas coreógrafas brasileiras a nível mundial. A qualidade de seus trabalhos a levou a ser convidada para criar Ovo, do grupo canadense Cirque du Soleil. Ela também será Diretora de Movimento responsável pela cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro, função que tem consumido seu tempo ultimamente.

Em todos movimentos, Deborah universaliza a dança. “Pretendo unir o balé clássico com os passos que vêm da rua. Quero criar uma linguagem que tenha mais carne, ou seja, mais próxima da realidade”, conta ela, que prega liberdade sem dogma.

Deborah acredita que a dança tem um apelo duradouro porque oferece um sentido de auto expressão que transcende a linguagem. Basta acompanhar a filosofia que rege VeRo – o primeiro ato é marcado pelos movimentos Ostinato, Cotidiano e Sonar, que utilizam o vocabulário do balé clássico e da dança contemporânea, brincando com gestos do dia a dia e movimentos no solo. É o momento em que, imprimindo força, leveza, humor, velocidade e dinâmica, a coreógrafa revela suas marcas registradas.

A surpresa é também um ponto predominante em seus espetáculos – em VeRo, o palco é levantado e se transforma em uma parede móvel, de 7 metros de altura. Ali, os bailarinos realizam uma espécie de balé aéreo. Um desafio idêntico marca o início do segundo ato, com o quadro chamado justamente de Gravidade. Aqui, os bailarinos se movimentam em estado de flutuação, como se fossem astronautas dentro de nave. Os movimentos ganham novas densidades, em meio a manobras milimétricas e vagarosas que demandam muito equilíbrio e resistência muscular – os bailarinos experimentam várias possibilidades de caminhar em suspensão, em todos os sentidos e direções.

Como sempre, a coreógrafa trata a dança como uma prática intransitiva, que domina o princípio do prazer. Deborah sempre manteve a disciplina como o definidor de sua personalidade e, por extensão, de seu trabalho. Com isso, ela consegue a rara transformação do esforço em beleza, ou seja, ensaios incansáveis para que, no palco, a coreografia se pareça com um improviso.

O segundo ato termina com Roda, quando uma aparelho como esse, medindo 5 metros de altura, transforma o palco em uma espécie de parque de diversões. Inspirada na rotação da Terra, Roda traduz a investigação constante que Deborah faz dos conceitos da física e da mecânica do movimento.

“Há 20 anos, VeRo não seria possível, pois os bailarinos não estavam ainda preparados para dançar na parede, desafiando a gravidade, por exemplo”, explica a coreógrafa, para quem atitude contemporânea está na saudável desobediência a fórmulas prontas.

Temporada

VeRo abre uma importante temporada de dança que vai ocupar o Teatro Alfa até o início de novembro. A coreografia de Deborah Colker fica em cartaz até o dia 3 de julho e cederá lugar, entre os dias 15 e 17 de julho, para o Ballet de Santiago, que vai apresentar uma versão de Zorba – O Grego, adaptação do romance de Nikos Kazantzakis com trilha sonora de Mikis Theodorakis.

Em seguida, nos dias 23 e 24 de julho, será a vez do butô contemporâneo do Sankai Juku, que vai apresentar Meguri, palavra que se refere a um ciclo como a da água. Finalmente, o Grupo Corpo mostrará, entre 4 e 14 de agosto, duas peças importantes de sua trajetória: Dança Sinfônica e 21. A programação se completa com a dança de salão da Mimulus (22 e 23 de outubro) e com o hip hop francês do grupo Käfig (5 a 7 de novembro), com apresentação tecnológica.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.