Impulsionados pelo avanço dos pedidos de demissão voluntária e discussões crescentes sobre o equilíbrio entre carreira e vida pessoal, movimentos que pedem a redução da jornada de trabalho e a implementação mecanismos como a renda básica universal para que as pessoas possam se dedicar menos a seus empregos ganharam força a nível internacional e, primeiro pelas redes sociais, desembarcaram no Brasil.
Principal expoente nacional da causa, o VAT (Vida Além do Trabalho) tem 180 mil seguidores no Instagram, reuniu 1,3 milhão de assinaturas em uma petição endereçada ao Congresso e, com a eleição de Rick Azevedo (PSOL), seu fundador, como vereador pelo Rio de Janeiro, embarcou na política.
Exaustão como mote
Vereador mais votado do PSOL e 12º mais popular da cidade (com 29.364 votos), Azevedo emerge num momento em que partidos de esquerda são criticados — inclusive internamente — pela desconexão com a classe trabalhadora. Ao site IstoÉ, ele disse acreditar que seus votos tenham refletido a “exaustão causada por jornadas desumanas e a falta de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho“.
“Muita gente se aproximou de nós [durante a campanha] com o olhar cansado, quase pedindo socorro, implorando pelo fim da escala 6×1“, relatou o vereador eleito, em referência à principal demanda do VAT: o encerramento do modelo de trabalho mais adotado formalmente no país, em que as 44 horas semanais de trabalho previstas na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) são distribuídas em seis dias consecutivos de expediente e um de folga.
Além da vereança
Qualquer mudança na legislação trabalhista depende de alteração constitucional e, portanto, não compete ao trabalho de um vereador, cargo para o qual o psolista se elegeu, mas ao Congresso Nacional.
“Mas essas pautas podem ser trabalhadas na Câmara Municipal. É possível propor leis que incentivem práticas mais humanas de gestão, criar programas municipais voltados à promoção da saúde mental e combate do burnout, e convocar audiências públicas que ampliem a conscientização”, reconheceu Azevedo.
Caminhos para a esquerda
Movimentos como o VAT encontram em todo o mundo maior ressonância entre os jovens, o que Azevedo percebeu durante a campanha e afirmou que as redes sociais — plataforma de sua popularização — são um “potente espaço para discutir política de forma direta e próxima das pessoas”.
“A geração Z não quer discursos prontos ou distantes. Eles querem uma política que faça sentido no seu dia a dia, que dialogue com suas experiências e expectativas. Eles estão buscando mudanças reais, especialmente em questões que impactam diretamente sua saúde mental e condições de trabalho”, afirmou.
O vereador eleito deu ainda um recado às lideranças de esquerda, que demonstram dificuldade em se conectar a setores informalizados da classe trabalhadora, como motoristas ou entregadores de aplicativo — o que foi demonstrado nas eleições municipais e admitido em “meas culpas” no segundo turno, como o de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo: “Partidos de esquerda precisam renovar seu olhar sobre as relações de trabalho. A política precisa estar em sintonia com a realidade de quem vive jornadas imprevisíveis e condições instáveis, trazendo soluções que atendam às demandas atuais e futuras”.
“Não se trata apenas de garantir empregos, mas de assegurar qualidade de vida e equilíbrio. A redução da jornada, por exemplo, não é uma concessão, mas uma necessidade urgente, especialmente em um contexto de esgotamento físico e emocional que afeta tantos trabalhadores”, afirmou.
A demanda passa pela representação política e pelo diálogo com os principais empregadores. Desde o início de 2024, empresas brasileiras têm promovido internamente o teste da chamada “semana de quatro dias” de trabalho. A redução da escala a um nível mais amplo ainda é uma discussão incipiente.