Em um vídeo no TikTok, um jovem aparece à beira da piscina. Sobre a imagem, ele escreve. “Eu me recuso a acreditar que o sol faz mal”, junto da hashtag #nosunscreen ou “sem protetor-solar”, em inglês. Ao rolar um pouco mais o feed, o algoritmo entrega outra publicação, desta vez, de um brasileiro, dizendo que está há cinco anos sem usar protetor solar, embora tome sol todos os dias. Ele ressalta que usa óleo de coco para hidratação e afirma que seus níveis de vitamina D estão excelentes. Ao longo da publicação, o rapaz afirma ainda que não é contra o uso de proteção solar, e sim dos protetores solares químicos.
E estes são apenas exemplos, entre milhares de conteúdos semelhantes, vindos de diferentes partes do mundo, com “alertas” sobre as desvantagens do uso dos filtros solares. Segundo os entusiastas do movimento, esses produtos seriam tóxicos e impediriam a síntese de vitaminas, levando a alterações hormonais a longo prazo.
Além disso, as recomendações para uso diário seria propaganda para favorecer o lucro da indústria. Outros usuários de redes sociais compartilham conteúdos alegando ainda que a exposição ao sol sem protetor solar aumenta a imunidade. E, em vez disso, incentivam o uso de manteiga de karitê e urucum, entre outros produtos naturais.
O assunto tem preocupado médicos e especialistas do mundo inteiro. A Skin Cancer Foundation, entidade que atua na prevenção, detecção e tratamento do câncer de pele, nos Estados Unidos, publicou uma nota em que reafirma a segurança do protetor solar. A Associação Americana de Dermatologia (AAD) também já se manifestou a favor, assim como a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Para entender o que é mito e o que é verdade nessa história, IstoÉ conversou com o dermatologista Elimar Gomes, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e Coordenador do Grupo de Dermatologia do Centro Oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa (SP), e com a dermatologista Claudia Marçal, membro da SBD e da American Academy of Dermatology (AAD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD). Confira a seguir.
Exposição solar sem proteção pode causar câncer
“A exposição solar sem proteção é o principal fator de risco ambiental para o câncer de pele”, aponta o dermatologista Elimar Gomes. “A radiação ultravioleta (UVA e UVB) danifica o DNA das células da pele e gera mutações específicas, chamadas de assinatura UV — um padrão de alteração genética típico causado pela radiação solar”, acrescenta. Ele explica ainda que essa assinatura é tão característica, que funciona como uma “impressão digital” da radiação nos tumores, identificada com frequência em biópsias de cânceres de pele.
Diversos estudos mostram que o uso regular e correto do protetor solar reduz o risco de câncer de pele, desde o melanoma, que é o mais agressivo, até os tipos mais comuns, os carcinomas. Um estudo australiano, publicado no Journal of Clinical Oncology, por exemplo, acompanhou adultos por mais de uma década e demonstrou que o uso diário de protetor solar reduziu em 40% a incidência de melanoma.
Além do câncer, está mais do que comprovado que a exposição solar excessiva também agrava diversas doenças dermatológicas, como melasma, lúpus, rosácea, porfirias e outras condições sensíveis à luz. Isso sem contar que o protetor solar tem também papel fundamental na proteção contra o envelhecimento precoce da pele.
O sol também traz benefícios à saúde
Dá para dizer, contudo, que os vídeos acertam em um ponto, embora de forma distorcida: a exposição solar pode, sim, ser positiva para a saúde, quando feita com responsabilidade. “O sol pode trazer benefícios — como bem-estar, regulação do ritmo circadiano e síntese de vitamina D — desde que a exposição seja moderada, planejada e compatível com a tolerância individual”, orienta o dermatologista da BP.
Por isso, a recomendação atual é a chamada fotoproteção ampla, que inclui o protetor solar, e vai além. A ideia não é fugir do sol, mas aproveitar suas vantagens e minimizar os riscos. “O protetor é uma ferramenta importante, mas não é a única”, resume o médico. Entre as dicas dos especialistas para aproveitar os benefícios do sol com segurança, além do uso protetor solar, estão:
Evitar os horários de pico, das 10h às 16h;
Escolher roupas adequadas, com tecidos leves ou mesmo com proteção UV;
Usar bonés e chapéus, e óculos com proteção UV;
Intercalar a exposição solar com períodos à sombra.
Reposição de vitamina D, só com prescrição médica
Outra “preocupação” levantada pelo movimento anti-protetor-solar é a barreira que o produto forma sobre a pele, o que impediria a absorção da vitamina D. Mas não é bem assim. Ainda que a radiação ultravioleta seja necessária para a produção da vitamina D, estudos importantes, como uma revisão da literatura feita por um grupo de médicos de várias especialidades e de diferentes países, publicada no British Journal of Dermatology, já demonstraram que ela não é significativamente comprometida pelo protetor solar, mesmo quando o uso é regular.
“Tanto a Sociedade Brasileira de Dermatologia quanto outras entidades médicas recomendam que a deficiência de vitamina D seja tratada com reposição adequada, sob orientação médica — e não com exposição solar desprotegida, que oferece riscos maiores que benefícios. É plenamente possível manter níveis saudáveis de vitamina D sem abrir mão da fotoproteção”, afirma o dermatologista da BP.
Protetores solares modernos não são tóxicos
Alguns argumentos de quem é contra o uso de protetor solar giram em torno da possível toxicidade. Em algumas formulações mais antigas, de fato, alguns protetores continham ingredientes ativos, como a oxibenzona, cuja concentração sanguínea após um dia de uso ultrapassa um limite seguro para a pele. “Essa informação não significa, por si só, que a oxibenzona seja tóxica ou cause doenças em humanos”, esclarece o médico. E, sim, que são necessários mais estudos sobre seus efeitos a longo prazo, de acordo com o especialista.
De qualquer maneira, a presença de filtros que caíram em desuso, como a oxibenzona, vem sendo questionada pela ciência. Mas o motivo é o potencial que essas substâncias têm de causar impactos ambientais, especialmente em ecossistemas marinhos. “Infelizmente o Brasil ainda tem uma legislação que permite o uso de alguns protetores químicos, que já são proibidos nos Estados Unidos e na União Europeia”, diz a dermatologista Claudia Marçal. Por isso, a recomendação é prestar atenção aos rótulos ao comprar filtros solares nacionais, evitando componentes químicos como a oxibenzona, benzofenona e homosalato, ainda que hoje sejam raros.
Os filtros solares mais modernos também são populares em versões multifuncionais. “São interessantes os produtos que oferecem fotoproteção conjunta a hidratantes, como o ácido hialurônico, peptídeos sinalizadores do colágeno ou inibidores de pigmentação, além de substâncias antioxidantes e vitaminas, como a vitamina E e a vitamina C”, avalia a dermatologista Claudia, reforçando que a fotoproteção deve ser prioridade na rotina de skincare.
Óleos naturais oferecem baixa proteção contra o sol
O desenvolvimento tecnológico dos filtros solares avançou significativamente nos últimos anos. Hoje, contamos com filtros que oferecem melhor fotoproteção UVA/UVB e menor absorção transcutânea, o que reduz o risco de efeitos sistêmicos, segundo os especialistas consultados por IstoÉ.
Assim, substituir o protetor solar por substâncias naturais como óleo de coco, azeite de oliva, manteiga de karité ou urucum, além de não ter respaldo científico, pode ser perigoso. “Esses ingredientes têm fator de proteção solar baixo, incapaz de bloquear de forma eficaz a radiação ultravioleta, principal responsável por queimaduras, envelhecimento precoce, manchas e câncer de pele”, diz Gomes. Essa ideia, conforme ressalta o especialista, vem da informação que populações tradicionais não apresentavam câncer de pele por usarem azeite ou óleo de coco. O que é uma simplificação que ignora fatores fundamentais, como as características da pele desses povos.
Além da atual degradação da camada de ozônio, um escudo de proteção dos raios ultravioleta, a comparação não é adequada, porque os povos ancestrais tinham comportamentos diferentes do contexto atual urbano. “A expectativa de vida era consideravelmente menor nessas populações, o que diminuía a probabilidade de desenvolverem doenças relacionadas ao dano solar acumulado, como o câncer de pele, que frequentemente aparece após os 60 anos”, finaliza.