Em uma passagem da vida do pintor e escultor Romero Britto, ele faz ginástica na academia Gold’s Gym, em Los Angeles, na Califórnia (EUA), orientado pelo mais popular fisiculturista da história, Arnold Schwarzenegger. Em outra, o tenor italiano Andrea Bocelli concede entrevista na sala da casa de Britto, na Flórida, e aproveita o ambiente para ensaiar para concerto que iria promover naquela noite. Também houve a ocasião em que o cantor, compositor e dançarino Michael Jackson promoveu festa em homenagem ao artista brasileiro em seu famoso rancho Neverland, na Califórnia. As duas primeiras referências constam do documentário sobre a vida de Romero Britto, que encontra-se em fase final de produção e tem estreia prevista para Dezembro de 2023. Chama The Britto Doc. A obra ganhou o intertítulo “The Official Film on a Modern Day Picasso” (O filme oficial de um Picasso dos dias atuais). A cinebiografia está sendo dirigido por Patrick Moreau (The New Hustle e Our Journey Home) e tem como produtores executivos Lucas L. C. Vidal (CEO do Britto Group), Caitlin Miranda e Grant Peelle.

Desde que se mudou para os Estados Unidos, em 1986, e passou a se dedicar à arte, o pernambucano Romero Britto se tornou tão conhecido que poderia dispensar obra que retrate sua história. Mas, se bem considerar, ele se tornou uma celebridade, sua produção tem assinatura reconhecível, mas o caminho até alcançar a fama é pouco conhecido.

Romero Britto antecipa o que está em documentário sobre sua vida
ECLÉTICO As criações de Romero Britto ilustram de carros de corrida a personagens da Disney, passando por toda sorte de objeto de casa (Crédito:Divulgação)

Romero Britto nasceu na capital Recife, em 1963. Sua mãe criou sozinha Romero e oito irmãos, já que o pai, policial, abandonou a família quando o futuro artista era bastante novo. “As pessoas praticamente não sabem como aconteceu minha carreira e meu sucesso”, diz ele à ISTOÉ, pelo telefone, do Sul da Flórida, onde se instalou há mais de 35 anos. As três décadas e meia de Estados Unidos lhe conferiram um português com sotaque tanto nordestino quanto norte-americano. Igualmente, lhe trouxeram reconhecimento e uma agenda de amigos que é difícil imaginar quem possua lista mais poderosa. Além do trio que abre esse texto, Britto pode sacar o telefone e ligar para Madonna, Bill Clinton, Michael Jordan, Elton John, Rei Charles ou praticamente quem a leitora e o leitor puderem imaginar com relevância em qualquer área de atuação.

Romero Britto antecipa o que está em documentário sobre sua vida
FILMAGEM Britto durante processo de criação em imagem do documentário (Crédito:Divulgação)

Obviamente, dada a condição descrita de sua infância, as coisas eram muito diferentes antes, conforme mostra o filme. Britto passou por pobreza extrema quando garoto no Recife. Começou a flertar com arte aos oito anos, quando experimentava grafitagem e pintava produtos recicláveis e sucata. Suas primeiras obras comercializáveis aconteceram na adolescência, mas mesmo assim ele levou um bom tempo até se dedicar exclusivamente à arte. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pernambuco, mas no decorrer do curso fez uma viagem à Europa que mudou o rumo da estrada que imaginava. Uma vez decidido a ser artista, ele trancou o curso de Direito, mudou para os Estados Unidos e passou a se dedicar às artes plásticas. Britto acertou a única flecha que tinha à mão no primeiro lançamento. O importador da vodca Absolut nos EUA, Michel Roux, encomendou a ele a ilustração da campanha nacional da bebida em 1989. Assim nasceu para o grande público o minimalismo brilhante (nos dois sentidos) do artista, em mistura de elementos graciosos como corações, flores, gatinhos e rostos sorridentes.

Romero Britto antecipa o que está em documentário sobre sua vida
CRIAÇÃO O artista transformou o colorido e imagens felizes em marca registrada

O jornal The New York Times fez um perfil de Romero Britto alguns anos mais tarde descrevendo-o como “Matisse canalizando Picasso por meio da Hello Kitty”. É um dos possíveis recortes do artista, que utiliza largamente elementos que caracterizam a ambos os citados, como o colorido do francês Henri Matisse e traços e elementos geométricos do segundo. Há os críticos, que dizem ser a obra do brasileiro essencialmente “comercial, versão aquecida da pop art”, como Elisa Turner o fez no jornal Miami Herald. “Existem pessoas que não estão abertas à alegria e à felicidade, que é sobre o que falo com o meu trabalho”, diz Britto. Com a referida alegria, ele criou o “Happy Art Movement”, que objetiva levar principalmente às casas de seu público criações inspiradoras. Tem conseguido, já que na película está colocado que Britto é hoje o artista mais licenciado do planeta. Suas obras estampam de roupas a automóveis, de bonecas Barbie a personagens da Disney, em uma relação que abriga quase tudo o que se possa imaginar. Seus originais são vendidos a partir de U$ 5.000,00 (cerca de R$ 25.400,00) e chegam aos sete dígitos de milhões de dólares.

Romero Britto antecipa o que está em documentário sobre sua vida
O artista mais licenciado do mundo (Crédito:Divulgação)

Além de paredes e objetos, o talento de Britto encontra-se presente em esculturas, em museus e, prioritariamente, nas ruas, já que o seu objetivo é justamente dar alento à sociedade. Também já foram tema de escola de samba no Brasil (Renascer de Jacarepaguá, em 2012), estiveram em show do intervalo da disputa esportiva Super Bowl em conjunto com o Cirque de Soleil. Mais: em Olimpíadas e Copa do Mundo de Futebol. O filme, do coletivo Muse Storytelling Inc. e que traz depoimentos de Domenico Dolce (estilista de Dolce & Gabbana), Gloria Estefan, dos citados Bocelli, Schwarzenegger e outros, torna difícil a tarefa de desvendar o que Romero Britto ainda não conquistou como artista. “Apenas fico feliz em saber que tanta gente celebra minha arte”, diz ele.Romero Britto antecipa o que está em documentário sobre sua vida

DE ROMERO BRITTO À ISTOÉ
“Nunca imaginei que Michael Jackson gostaria do meu trabalho”

O sr. tem sucesso enorme e é inevitável que surjam as correntes contrárias. Como lida com as críticas?
Eu me sinto muito grato por ter tanto sucesso. Nunca imaginei que chegaria em tantos lugares e a uma quantidade tão grande de pessoas do mundo inteiro. Mas entendo que não se pode agradar a gregos e troianos. Existem seres humanos que não estão abertos à alegria e à felicidade, que é sobre o que eu falo com o meu trabalho. Quando entenderem, verão a importância de trazer algo alegre e feliz para seu lar. Vivemos num mundo onde as pessoas têm toda liberdade de falar e se expressar e isso é saudável. Não tenho nada contra quem não entende meu trabalho. Há muitos motivos para isso acontecer: ignorância, o fato de ser muito mais fácil falar mal do que bem, imitação de outros indivíduos, inveja. Aliás, ela é muito comum no mundo das artes. Mas destaco que o principal fator é não estar aberto a entender o que tento comunicar.

O The New York Times o descreveu como “Matisse canalizando Picasso por meio da Hello Kitty”. O filme o apresenta como “Modern Day Picasso”. O que o sr. acha dessas referências?
Sempre gostei muito do trabalho de Pablo Picasso. É uma grande honra que vejam essas referências no meu trabalho. A alegria de Matisse e a composição de Picasso. Mas não me importo com comparações, porque as pessoas estão sempre as fazendo.

Por que o sr. acha que comparam?
Porque meu trabalho tem uma certa relevância. Também pelos traços, a alegria e o colorido de Matisse, e com Picasso porque ele criou muito, é muito conhecido. Devem haver diversos motivos que não sei, mas minha arte também é conhecida por muita gente.

O sr. alcançou com sua obra um sucesso imensurável. O que acha que uma cinebiografia pode acrescentar a toda essa carreira?
Um entendimento mais profundo das pessoas. Elas enxergam meu trabalho há anos mas não sabem como esse sucesso aconteceu. Os colecionadores seguem o que tenho feito e se aprofundam na minha criação, mas há detalhes que não são conhecidos: a história da minha infância, momentos importantes da minha vida.

A arte do sr. entrou pela porta da frente em alguns dos mais cobiçados e principais endereços do mundo. Quais os lugares que tem mais orgulho de possuir sua obra exposta?
Cada lugar tem uma história e fico muito lisonjeado da minha arte ter entrado no lar de tanta gente e ter contribuido bastante para a sociedade. Cada um me dá alegria, como se fossem filhos e filhas, cada um é especial e único. Fico muito feliz, por exemplo, de ter feito um projeto para as Nações Unidas quando queríamos promover a educação, porque ela é capaz de mudar a vida de todos. Fico feliz de ter feito essa obra e de ela estar exposta na ONU, em Nova York.

De todas as celebridades a que o sr . tem acesso, qual foi a maior surpresa em relação à admiração de seu trabalho?
Michael Jackson. Eu sempre o admirei, desde criança, e nunca imaginaria que um ídolo como ele gostaria do meu trabalho ao ponto de oferecer uma festa em NeverLand para a minha arte. Tem diversas pessoas que fico feliz em saber que celebram o meu trabalho, como Elton John e o futuro rei da Inglaterra, Charles.

O sr . se tornou uma celebridade. Isso o atrapalha como artista, ajuda ou é indiferente?
Quanto mais as pessoas sabem o que você faz, acredito que ajude. É bom que muitos conheçam e apreciem o meu trabalho, porque quanto mais o conhecerem, mais irão se interessar em saber o que eu faço. Isso abre muitas portas. Faz-se uma bola de neve.

O sr. se envolveu com figuras políticas, como os ex-presidentes Dilma Roussef e Jair Bolsonaro. Tem alguma oposição em relação à utilização política da sua obra?
A arte é universal. Eu não tenho partido nem endosso ninguém. Simplesmente falo e me comunico com quem foi eleito por milhões de outros em diversos países. Aqui, nos Estados Unidos, falo com todos, assim como faço com a família real da Inglaterra. O diálogo é importante, é estranho só falar com um lado. As pessoas estão muito polarizadas. Desde criança eu queria ser diplomata. Mas quando estava fazendo curso de Direito, vi que não era para mim. Eu me sentia infeliz, meu coração era das artes.

Quais são seus artistas favoritos?
Desde Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Sandro Botticelli até Pablo Picasso, Henri Matisse, Georges Braque e artistas pop como Roy Lichtenstein e Andy Warhol.

O sr. passou mais tempo na Flórida do que no Brasil. Sente-se um cidadão do mundo, da Flórida ou de Pernambuco?
Eu me considero brasileiro. Passei a maior parte da minha vida na Flórida, mas o Brasil está no meu coração. Trago comigo as minhas memórias do Nordeste, onde cresci. Me sinto aceito em todos os lugares onde vou. Acho importante me sentir como um cidadão universal, mas adoro o Brasil e tenho muita saudade.

Colaborou Duda Ventura, sob a supervisão de Luiz Cesar Pimentel