Em março de 2020, a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo foi realizado entre os dias 5 e 15 em meio às incertezas e ao crescente medo relacionados à pandemia decretada em sua reta final. Por isso, o anúncio da 8.ª edição da MITsp, prevista para ocorrer de 2 a 12 de junho, ganha um caráter simbólico a mais do que sua retomada. Se aquele foi o último grande painel de artes cênicas na cidade, este é o primeiro evento do gênero desde a reabertura dos teatros depois do fechamento provocado pelo coronavírus.

Diante dos efeitos da crise sanitária e financeira, a programação ficou enxuta e adaptada à realidade. Serão quatro espetáculos internacionais e sete nacionais, quatro deles estreias. Em 2020, com R$ 4,5 milhões captados, foi possível receber 12 montagens estrangeiras. Mesmo assim, com o orçamento até agora de R$ 3 milhões, a organização conseguiu movimentar mais de uma centena de artistas, pelo menos 45 deles vindos de fora. “O espírito deste ano é que voltamos a existir, mesmo trabalhando com restrições, percebendo o receio dos artistas de enfrentar voos internacionais e driblando datas e dificuldades financeiras”, afirma Antonio Araújo, diretor artístico, responsável pelo evento junto com Guilherme Marques, diretor-geral de produção. “Teremos o que foi possível trazer e já nos preparamos para voltar em 2023 com o tamanho de antes.”

A pandemia e os efeitos do isolamento social norteiam a curadoria. A atração de abertura, Estádio, espetáculo dos franceses Mohamed El Khatib e Fred Hocké, promete reproduzir uma arena no Sesc Pinheiros e trata da perspectiva do encontro, simbolizada pela torcida de futebol. “Os diretores dialogam com a polarização, que é o viés de uma partida esportiva, problematizando que mesmo o outro querendo algo diferente não faz dele um inimigo”, diz Araújo.

Também no campo político e vindo da França, o monólogo O Martelo e a Foice, dirigido por Julien Gosselin, discute o capitalismo pelo ponto de vista de um sujeito (vivido por Joseph Drouet) preso por causa de um crime de corrupção. “Gosselin talvez seja o grande nome da cena francesa atual e tentávamos trazê-lo havia anos, mas suas montagens são caras, com equipes imensas e, desta vez, com um solo, deu certo.”

Estranhamento

O papel avassalador da tecnologia na vida dos cidadãos e o reflexo disso nas artes cênicas também se faz presente. O exemplo é Vale da Estranheza, obra de Stefan Kaegi, suíço radicado na Alemanha, que desafia a aversão das pessoas ao se verem diante de máquinas similares a humanos colocando no palco apenas um robô que testa os limites entre as artes cênicas e a evolução científica. “O estranhamento é tão grande que, no final da sessão, o público questiona se deve ou não aplaudir uma máquina”, declara Araújo. A quarta atração estrangeira, Constelação, com por três solos de dança contemporânea, protagonizados por Salia Sanou, de Burkina Fasso, deve ser confirmada nos próximos dias.

O destaque da programação nacional é História do Olho – Um Conto de Fadas Pornô Noir, concebido pela atriz, diretora e dramaturga Janaina Leite. Livremente inspirada na obra de Georges Bataille, a peça é uma fábula sobre as descobertas sexuais de três adolescentes complementada por reminiscências biográficas do elenco formado por 13 pessoas, entre atores, não atores, performers e trabalhadores do sexo. “É importante ser coproduzida pela MITsp com abertura, acolhimento e nenhuma concessão ou intervenção, até porque sei que se trata de um trabalho com dificuldade de encontrar continuidade devido ao enfoque”, elogia Janaina, que, na sequência do festival, inicia temporada no Tusp.

A 8ª edição do MITsp também recebe as montagens Antes do Tempo Existir e Há mais Futuro que Passado – Um Documentário de Ficção.

A novidade da MITbr – Plataforma Brasil é a curadoria formada por dois profissionais de fora do eixo São Paulo e Rio. A gaúcha Jane Schoninger e o baiano Jorge Alencar escolheram artistas vindos de cinco Estados brasileiros. Só do Ceará comparecem as peças Ancés, da atriz e criadora Tieta Macau, E.L.A, solo da atriz e diretora Jéssica Teixeira, e Fortaleza, nova montagem dos bailarinos da Cia. Dita. “Uma mostra que se propõe internacionalizar precisa descentralizar o seu olhar”, diz Jane Schoninger. “Além disso, é parte de um movimento político estabelecer espaço para o encontro de diferentes artistas, que podem conectar bagagens e fomentar intercâmbios.”