É o tema do momento – a questão do patrocínio. A partir desta quinta, 28, o Belas Artes deixa de exibir o logo da Caixa e passa a lutar por subsistência. A própria Mostra, uma instituição do cinema em São Paulo, vive momentos de indecisão. Desde 1999, a BR Distribuidora e a Petrobras têm sido patrocinadoras da Mostra. Já houve um tempo em que a Petrobras assinou contrato de três anos com o evento, depois, no fim de cada Mostra, anunciava o patrocínio do ano seguinte. Isso não ocorreu no fim da Mostra de 2018, acionando um sinal vermelho de perigo.

Em janeiro, Renata de Almeida recebeu um e-mail da gerência de patrocínios da empresa estatal de economia mista que opera no segmento de energia, prioritariamente nas áreas de exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo, gás natural e seus derivados. A Petrobras foi sempre grande patrocinadora de atividades culturais no País. O e-mail exortava Renata a enviar seu projeto de patrocínio para a Mostra deste ano, o que ela fez, prontamente. Já trabalhando para a 43.ª edição do evento, que deve ocorrer entre 17 e 30 de outubro, ela foi ao Festival de Berlim garimpar títulos como sempre faz – e antes dela, como fazia Leon Cakoff, que criou a Mostra, ainda durante a ditadura.

Durante a Berlinale, as notícias do Brasil não eram tranquilizadoras. Restrições orçamentárias e cortes de patrocínios movimentavam a mídia quase diariamente. Num encontro com o repórter, Renata chegou a desabafar – “Não sei o que estou fazendo aqui. As perspectivas não são boas, mas a Mostra já está na rua e eu preciso batalhar para sua realização.” Renata já acertou, por exemplo, que a Mostra apresente o vencedor do Urso de Ouro – Syonymes, do israelense Nadav Lapid – e negocia para que se repita em São Paulo um dos maiores acontecimentos do Festival de Berlim deste ano – a apresentação da versão restaurada do clássico O Encouraçado Potemkin, de Sergei M. Eisenstein, com música ao vivo.

Está preocupada – “Já estamos entrando em março e não recebi nenhum comunicado da gerência, se manterá o patrocínio da Mostra deste ano. Daqui a pouco – em maio – vem Cannes e eu preciso saber a quantas ando. A Mostra sempre demanda muito dinheiro para ser realizada em condições plenas, mas cada ano é uma batalha e a gente se adapta. Se diminui a verba, aperta aqui, corta ali. O importante é ter claro o tamanho que a Mostra poderá ter.” Ao redor, Renata vê a Petrobras cortar os patrocínios. “Embora seja nossa principal patrocinadora, não é a única. Temos já confirmados a Spcine e o Sesc, mas o problema é que vários apoiadores e copatrocinadores utilizam a Lei Rouanet, e ela está fechada. Criou-se essa fantasia de que a lei podia ser fraudada e servir a outros objetivos. Não é verdade, ou pelo menos nunca foi conosco. A lei exige tanta prestação de contas que só um esquema montado para isso consegue burlar.”

Renata procura não ideologizar a discussão. “Nesses mais de 40 anos, a Mostra que surgiu como resistência à ditadura, atravessou governos de diferentes partidos. Nunca nos filiamos, partidariamente. A Mostra sempre foi um reduto da estética e do humanismo.” Ainda aguardando resposta, ela ouve justificativas, aqui e ali, para possíveis cortes. “Fala-se muito em contrapartida social. A Mostra realiza sessões gratuitas, cria empregos, paga impostos e oferece um retorno midiático muito grande. O que a Petrobras recebeu de retorno como mídia espontânea no ano passado justificaria plenamente o reinvestimento.” Durante a recente Berlinale, o cinema brasileiro conseguiu emplacar filmes em diferentes seções do festival.

Marighella, de Wagner Moura, passou na mostra principal e teve direito a coletiva. Os outros dez filmes, incluindo um curta, tiveram Q&A, as seções de pergunta e resposta com as equipes. Mais de um diretor aventou a hipótese de represália. A arte, por seu comprometimento humanista, estaria mais à esquerda e, portanto, na contramão do atual governo. Como atividade econômica, é rentável. Cada real investido no cinema retorna multiplicado por três, ou quatro. Gera empregos – o que se pretende é golpear/silenciar a classe artística, era uma avaliação comum entre os artistas. Renata não quer entrar nessa discussão, que considera desgastante, mas diz que o projeto que encaminhou é detalhado. “Está tudo lá, o investimento, que nem é grande, o retorno, que é imenso. O que espero é uma análise profissional, e respeito. A Mostra pertence aos paulistanos, aos brasileiros. Aguardo respostas.”

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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