Mesmo corações jovens e forjados no esporte não estão livres da morte repentina, a exemplo da ex-ginasta e medalhista Ana Paula Sheffer (Crédito:Arquivo Gazeta do Povo)

Os corações jovens são mais vulneráveis aos doces encantos do amor — e ao infarto fulminante. A primeira parte dessa frase é pura poesia; a segunda, pura ciência. E é a ciência que investiga, cada vez com maiores recursos tecnológicos, as causas que estão levando de forma crescente pessoas novas à morte súbita (triste e preocupante aumento de 10% ao ano), atingindo até mesmo donos de corpos forjados na saúde do esporte, como foi o caso da ex-ginasta Ana Paula Sheffer — que, lembremos, adorava poesia. Aos 31 anos e medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, ela foi encontrada morta em sua casa, na cidade paranaense de Toledo. Em média, trezentas e vinte mil pessoas, de todas as faixas etárias, falecem anualmente no Brasil de morte súbita. E há uma questão que a todos se coloca: por que o maquinário do coração novo é mais propício a deixar de bater de uma hora para outra, e, na maioria das vezes, de forma fatal? A resposta clínica e endógena, quem dá, são os corações envelhecidos e vividos: o sistema cardiovascular, com o correr do tempo, cria ramificações que espalham melhor o fluxo sanguíneo, podendo dessa forma evitar bruscas paradas cardíacas. O sistema circulatório dos corações novos ainda não possuem tais ramificações.

Há também motivos advindos do ambiente social. “Os jovens apresentam muito mais fatores de risco comportamentais”, diz Sérgio Timerman, cardiologista, diretor do Centro de Treinamento do Instituto do Coração e professor da Universidade de São Paulo. Ele explica que pessoas com pouca idade podem ser mais suscetíveis à morte súbita devido aos excessos que são naturais nessa etapa da vida — e há coisas tão perniciosas usadas por alguns indivíduos que, muitas vezes, se traduzem em infarto. É o caso, por exemplo, do consumo de cocaína: estima-se que 30% dos infartos na juventude são provocados pela dependência química dessa substância psicoativa. Juntemos a isso o hábito da nicotina e de bebidas alcoólicas. “Essa é uma tríade exemplar para a morte súbita”, afirma Timerman. Ao falarmos sobre pessoas acima de 50 anos, a percepção é de que esses riscos diminuem. E um fato é inconteste: cinquentões costumam verificar com mais frequência junto ao médico como anda a saúde do coração.

Médicos na plateia

“Cocaína, nicotina e álcool. Essa é uma tríade exemplar para a morte súbita” – Sérgio Timerman, cardiologista (Crédito:Gabriel Reis)

Há um destino traçado para todos os seres humanos e, dele, jovens e não jovens jamais conseguem fugir: a genética e a hereditariedade. Ou seja: antecedentes familiares funcionam como sinalizadores daquilo que pode ocorrer. Quando parentes próximos sofreram ataque cardíaco antes dos 50 anos, isso é um fator preocupante para os moços. Sabendo de tal situação, eles vão sempre ao cardiologista? Claro… que não! Some-se agora, aos fatores hereditários, episódios exacerbados de estresse, cada vez mais frequentes entre os jovens devido às altas expectativas que hoje a sociedade e a família neles depositam. O estresse é perigoso caminho que pode desembocar na morte repentina.

O ex-campeão mundial de natação Ricardo Prado, antes de completar 40 anos, teve de se submeter a uma cirurgia cardiovascular de emergência para não morrer: “Perguntei para o médico se era possível esperarmos o período de férias, mas ele me deu uma semana para realizar o procedimento”. Em seu caso, o pai havia tido um infarto logo após completar 60 anos. A imprevisibilidade desse tipo de evento também se verifica na história do atleta amador Carlos Fujii. No ano passado, durante um período de treinos, ele se sentiu mal: “apaguei, parece que me tiraram da tomada”. A sua fala é ótima e espirituosa, mas vamos ao fenômeno clínico: uma pequena placa de gordura se desprendera na corrente sanguínea e obstruira uma artéria do coração. Seus companheiros de corrida o socorreram. Depois de um mês, estava recuperado.

Deixemos agora os jovens de lado e vamos aos que já atravessaram com saúde grande parte da vida e, repentinamente, são pegos pelo infarto. “Eu morri subitamente e voltei à vida graças ao atendimento médico rápido”, conta Fellippo Danello, 77 anos, cantor italiano radicado no Brasil. No momento em que interpretava a décima música de seu repertório, em um show no clube poliesportivo Paulistano, em São Paulo, Danello passou muito mal. Apesar disso, a sorte lhe foi madrinha: ele se apresentava para uma plateia de médicos: “Quando abri os olhos vi o rosto da minha cardiologista”. Na semana passada, a American Heart Association divulgou as novas diretrizes de ressuscitação e emergências cardiovasculares, decididas por convenção internacional. Agora são 491 recomendações para tentar salvar vidas, quando elas se tornam ameaçadas pela morte súbita.

“Em um treino comum, me senti mal e apaguei. Parece que me tiraram da tomada” – Carlos Fujii, atleta amador