Morte de Kirk expõe a extrema polarização política nos EUA

O ativista de ultradireita americano Charlie Kirk personificou um estilo impetuoso de conservadorismo, cativando jovens eleitores a votarem em Donald Trump; sua morte aumenta abismo político nos EUA.

Morte de Kirk expõe a extrema polarização política nos EUA

O que deveria ter sido um momento de silêncio na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos pelo assassinato do ativista conservador Charlie Kirk terminou em gritos e acusações. À medida que se espalhava a notícia do atentado, na tarde de quarta-feira (10/09), deputados batiam boca sobre como e por que prestar homenagem ao ícone da ultradireita jovem americana.

O presidente republicano da Câmara, Mike Johnson, bateu o martelo para pedir ordem, enquanto um dos membros da casa gritava: “Aprove uma lei sobre armas!”. Alguns democratas questionaram por que outros assassinatos não recebiam a mesma atenção, levando de volta palavrões e acusações sobre a politização de tragédias.

Antes que a identidade do atirador fosse conhecida, figuras proeminentes da direita estavam enquadrando o incidente como parte de um ataque mais amplo da esquerda contra o conservadorismo.

A influenciadora de ultradireita Laura Loomer, que costuma ter a atenção de Trump, falou em “reprimir a esquerda com toda a força do governo”, no X. “Todos os grupos de esquerda que financiam protestos violentos precisam ser fechados e processados. Sem piedade.”

Elon Musk, o bilionário proprietário da rede social X, ex-aliado e agora desafeto de Trump, foi ainda mais direto. “A esquerda é o partido do assassinato.”

Relação próxima com Trump

Kirk, 31 anos, cofundador da organização conservadora Turning Point USA e um grande apoiador do presidente Donald Trump, foi baleado enquanto discursava em um evento em Orem, Utah. O motivo é desconhecido e a caça ao autor do crime continuam.

A principal suspeita é de que o atirador estava no topo de um prédio a cerca de 200 metros da vítima. Duas pessoas chegaram a ser presas após o atentado, mas foram liberadas após serem ouvidas.

Trump tinha uma relação próxima com Kirk, cujo carisma entre jovens conservadores foi crucial para angariar apoio entre uma nova geração de eleitores. Kirk também era amigo íntimo de várias pessoas do círculo próximo do presidente, incluindo seu filho mais velho, Donald Jr. Há relatos de que ele tinha influência inclusive em nomeações do governo.

Conhecido por seu discurso frequentemente provocativo sobre temas que vão de raça e gênero a imigração e regulamentação de armas de fogo, Kirk costumava usar esses eventos para convidar membros da plateia a debater com ele ao vivo.

No momento em que foi baleado, Kirk – um defensor ferrenho do direito de portar armas – estava sendo questionado por um membro da plateia sobre violência armada, de acordo com vários vídeos do evento que circulam na internet.

Em um discurso em vídeo transmitido do Salão Oval, Trump declarou que o tiro foi consequência de uma “retórica exagerada” de “lunáticos radicais de esquerda” que, segundo ele, representam uma ameaça existencial aos EUA. Ele culpou a mídia e a “esquerda radical” pela linguagem usada para tratar de pessoas como Kirk.

“A violência e o assassinato são a consequência trágica de demonizar aqueles com quem você discorda – dia após dia, ano após ano – da maneira mais odiosa e desprezível possível”, alegou Trump.

Abismo político

A reação dos democratas foi mais moderada. “Ainda não sabemos o que motivou a pessoa que atirou e matou Charlie Kirk, mas esse tipo de violência desprezível não tem lugar em nossa democracia”, disse o ex-presidente Barack Obama, em comunicado.

As posturas divergentes em torno da morte de Kirk apontam para um aprofundamento do abismo político dos Estados Unidos – como fizeram as duas tentativas de assassinato contra Trump no ano passado.

Ruth Braunstein, professora de sociologia da Universidade Johns Hopkins que estudou Kirk e a direita americana, disse à agência Reuters que o atentado tem o potencial de aumentar as tensões políticas já acaloradas no país.

“É obviamente uma tragédia em nível pessoal, mas também tem a capacidade de inflamar ainda mais um ambiente político onde a temperatura já está muito alta. Essa é uma possibilidade real e um risco real.”

Era de violência política

A crescente desconfiança e até mesmo ódio dos americanos por seus oponentes políticos coincide com um aumento de agressões e ameaças.

Segundo levantamento da Reuters, o atentado contra Kirk marca o período mais prolongado de violência política nos EUA desde a década de 1970. Há registros de 300 casos de atos violentos por motivos políticos em todo o espectro ideológico desde que os apoiadores de Trump atacaram o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.

Entre os incidentes, houve o ataque incendiário contra Josh Shapiro, governador democrata da Pensilvânia; um plano frustrado para sequestrar Gretchen Whitmer, democrata de Michigan, e outro para matar Brett Kavanaugh, um juiz da Suprema Corte. Em 2022, um homem invadiu a casa de Nancy Pelosi, a então presidente da Câmara dos Representantes, e espancou seu marido com um martelo. Em junho, uma deputada estadual de Minnesota e seu marido foram assassinados em casa.

O próprio Trump sobreviveu a duas tentativas contra sua vida, uma que o deixou com um arranhão na orelha durante um evento de campanha em julho de 2024 e outra dois meses depois, frustrada por agentes federais.

“Não há desculpa para a violência política em nosso país, isso tem que acabar”, afirmou o deputado Steve Scalise, o segundo republicano mais importante na Câmara dos Representantes, que sobreviveu a um tiroteio em 2017 durante um treino de beisebol.