A morte de Abilio Diniz no último dia 18, aos 87 anos, vítima de insuficiência respiratória em função de uma pneumonite, encerrou uma etapa histórica do varejo brasileiro. Além da trajetória típica de ascensão em um negócio familiar, Abilio foi símbolo das transformações na economia brasileira nas últimas seis décadas. Com ele, o segmento se expandiu no “milagre econômico” da ditadura, sobreviveu à hiperinflação na redemocratização e teve o desafio da concorrência com grupos globais após a estabilização. O empresário herdou o talento para os negócios do pai, Valentim dos Santos Diniz, imigrante português que criou no bairro paulistano do Paraíso a doceria Pão de Açúcar, em 1948. O supermercado foi fundado em 1959.

Depois de sua volta de estudos de marketing e economia nos EUA nos anos 1960, Abilio passou a ter protagonismo em um grupo que já liderava o varejo nacional. Os anos 1970 marcaram a criação dos hipermercados e a compra de outras redes, além do lançamento de filiais em Portugal e Angola (depois fechadas).

Com a exposição das iniciativas e seu carisma pessoal, entre 1979 e 1989 ele virou uma personalidade pública e frequentou os corredores do poder como membro do Conselho Monetário Nacional. De voz influente nos rumos da economia e candidato a ministro na gestão José Sarney, virou vilão na crise da hiperinflação por causa do congelamento artificial de preços (fadado ao fracasso desde o início), que fez sumir os bois dos pastos e os produtos das prateleiras dos supermercados, criminalizando empresários como ele.

Morte de Abilio Diniz encerra capítulo vital do varejo brasileiro
O empresário participa da Maratona Pão de Açúcar, em 1993: promotor de esportes e do bem-estar (Crédito:Luiz Carlos Murauskas)

Na década seguinte, após vencer em 1993 uma disputa familiar pelo controle do grupo e surfando no otimismo da economia com o sucesso do Plano Real, ele abriu o capital da empresa na Bolsa de Valores (atual B3). O grupo foi a primeira companhia varejista brasileira a entrar na Bolsa de Nova York.

O endividamento e a necessidade de expansão acelerada fizeram ele vender uma participação minoritária do Grupo Pão de Açúcar ao gigante francês Casino, em 1999, que foi o começo do fim do seu controle sobre o negócio.

Em 2005, a fatia do Casino na sociedade aumentou. Esse acordo estipulava a transferência da gestão para os franceses, em 2012, mas Abilio mudou de ideia e tentou se associar a outro gigante francês, o Carrefour, para diluir a participação do Casino e manter o controle do grupo. A manobra não deu certo e ele precisou deixar o Pão de Açúcar em 2013. Na sua própria avaliação, esse foi o maior erro empresarial que cometeu.

A marca que ele deixa no comércio e na economia, por outro lado, é permanente. Já em 1969, o Pão de Açúcar inaugurou o primeiro supermercado 24 horas do País.

Ousado, Abilio sempre perseguiu a inovação.
Antes dos outros, apostou nos hipermercados e no delivery.
Valorizou nas lojas a área de frutas, legumes e verduras, que era relegada ao ambiente desvalorizado no fundo dos estabelecimentos.
Além do DNA pioneiro, criou a fama de negociador duro e tenaz.
Ao lado do protagonismo empresarial e político, cultivou a figura pública de esportista (competiu como piloto de corridas na juventude) e foi precursor da valorização da saúde pessoal e do bem-estar.

Seu grupo patrocinava eventos esportivos e incentivava os próprios funcionários a participarem de corridas. Compartilhava essa paixão com a família, como a irmã Lucília Diniz, que também virou um ícone dessa causa. Tragicamente, um dos maiores baques pessoais foi a morte de seu filho João Paulo Diniz, em 2022, que também era esportista e foi vítima de um enfarte fulminante aos 58 anos.

Nova fase pessoal

Após deixar o Pão de Açúcar, Abilio se reinventou dedicando-se à Península Participações, empresa de investimentos criada já em 2006 para gerir os ativos familiares por meio de investimentos privados.

Com R$ 12 bilhões sob gestão, ela hoje tem participação de 7,3% no Carrefour Brasil e também é acionista da Carrefour França (8,4% do capital).

A Península também tem participações acionárias em empresas como a Wine, além de possuir um braço patrimonial (fundo imobiliário de lojas e imóveis) e de gestão de investimentos líquidos.

No comando da Península permanecerá Flavia Almeida (atuante lá desde 2013) e Eduardo Rossi, atual vice-chairman do conselho que assumirá a presidência do colegiado, substituindo Abilio. Preservar a cultura empresarial dele pode ser uma das maiores missões da dupla. O empresário deixou a mulher, Geyze, e cinco filhos: Ana Maria, Adriana e Pedro Paulo, do primeiro casamento, e Rafaela e Miguel, do segundo.

No último dia 12, ganhou grande destaque na imprensa a morte de Luiza Trajano, fundadora da Magazine Luiza e tia de Luiza Helena Trajano, que hoje assume a posição de maior ícone do varejo brasileiro (sua família se orgulha da origem “caipira” da Magalu no interior de São Paulo).

A empatia natural dessa marca, assim como aconteceu com o Pão de Açúcar, é um sinal da força no imaginário popular dessas figuras excepcionais, que Abilio encarnou em seu segmento. Assim como aconteceu com outros nomes que viraram sinônimo de progresso — Francesco Matarazzo (indústria) e Antônio Ermírio de Moraes (mineração), por exemplo —, Abilio modelou um setor e apontou para um novo padrão comportamental, sobretudo na área corporativa.

Mas, como esses outros sobrenomes, foi antes de mais nada um representante de uma família de imigrantes, como tantas outras, que moldou o panorama econômico pela sua devoção ao País.

Episódio de sequestro foi divisor de águas

Morte de Abilio Diniz encerra capítulo vital do varejo brasileiro
Diniz no cativeiro em 1989: desfecho dramático no segundo turno da eleição presidencial (Crédito:Folhapress)

No dia 11 de novembro de 1989, a seis dias do segundo turno da primeira eleição presidencial depois da ditadura, Abílio Diniz seria empurrado para as páginas policiais dos jornais ao ser sequestrado em São Paulo.

O empresário foi libertado quando se fechavam as urnas que deram vitória a Fernando Collor na disputa contra Lula. O caso Diniz, como ficou conhecido, foi um divisor de águas na vida do empresário, mudou a doutrina sobre investigações de sequestros e manchou a biografia da polícia paulista que, para prejudicar Lula, obrigou os sequestradores a se deixarem fotografar usando camisetas da campanha do PT.

Quando a polícia cercou a praça onde se localizava o cativeiro, no Jabaquara, foi Diniz quem administrou sua própria libertação, garantindo aos sequestradores a presença de Dom Paulo Evaristo Arns nas negociações e seu empenho para que a rendição fosse tratada dentro da legalidade, depois de alguns deles terem sido torturados.

Os autores, nove estrangeiros e um brasileiro, não eram criminosos comuns: pertenciam a organizações armadas que lutaram contra ditaduras no continente, entre as quais se destacavam o MIR chileno, o ERP argentino e a Frente de Libertação de El Salvador. O pedido de resgate era de US$ 30 milhões.