Morte, cegueira e internações: o que se sabe sobre as bebidas adulteradas com metanol

Metanol
Casos em cidades de São Paulo de bebidas alcoólicas adulteradas com metanol Foto: Reprodução

Três pessoas morreram e oito tiveram de ser internadas após consumirem bebidas alcoólicas adulteradas com metanol. Destes casos, seis tiveram a suspeita de intoxicação pela substância confirmada pelo CVS (Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo). O MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) emitiu no sábado, 27, uma recomendação aos estabelecimentos.

À IstoÉ, a Secretaria da Saúde de São Bernardo do Campo informou que o primeiro caso foi de um homem, de 38 anos, que morreu no dia 24 de setembro após ser atendido no Hospital de Urgência. O segundo caso foi de um homem, de 45 anos, que faleceu em 28 de setembro depois de atendimento em uma rede particular de saúde.

Nos dois casos, os exames estão sendo realizados pelo IML (Instituto Médico Legal) para confirmar ou descartar a contaminação.

As intoxicações notificadas ocorreram nas cidades de São Paulo, Limeira (SP), Bragança paulista (SP) e São Bernardo do Campo. Os casos envolveram bebidas como gin, whisky e vodka compradas em conveniências, mercados informais e bares.

Em entrevista ao “Fantástico”, da TV Globo, a designer Rhadarani Domingos disse que perdeu a visão depois de consumir caipirinhas durante a festa de aniversário de uma amiga em um localizado em uma região nobre de São Paulo, no dia 19 de setembro.

Segundo ela, que segue internada, as bebidas não tinha gosto diferente, mas “causaram um grande estrago. Eu não estou enxergando nada”.

Lalita Domingos, irmã da designer, relatou que a jovem convulsionou e chegou a ser intubada no dia 21 de setembro. Ela ainda ressaltou que a família não imaginava que o quadro poderia ter alguma relação com intoxicação por metanol. Agora a expectativa é que Rhadarani consiga realizar algum tratamento para que possa voltar a enxergar.

A emissora não divulgou se houve confirmação que Rhadarani foi contaminada por metanol. Também não divulgou o nome e a região exata do estabelecimento em que ela consumiu as bebidas alcoólicas.

Além da designer, o jovem, identificado apenas como Rafael, está internado desde o dia 1º de setembro depois de ingerir doses de gim com energético e gelo com sabor. As bebidas foram compradas em uma adega perto da casa dele, em 23 de agosto.

Helena Anjos Martins, mãe do rapaz, disse que a toxicidade foi removida do sangue dele, mas os danos causados pela substância já tinham afetado a visão e o cérebro de Rafael. “Ele está respirando através de ventilador. Segundo a medicina, [o quadro dele] é irreversível”, explicou.

O auxiliar de produção Diogo Marques, amigo de Rafael, também consumiu as bebidas alcoólicas e precisou ser internado. Além dos dois jovens, uma das pessoas do grupo deles passou mal.

“Eu acordei desesperado. Abri olho e não estava enxergando nada. Tudo preto e uma dor de cabeça forte”, relatou Diogo. O rapaz ressaltou que as bebidas compradas eram de “qualidade muito boa”.

Outra morte registrada

A Secretaria Municipal da Saúde da capital paulista comunicou que um homem, de 54 anos, morador da Zona Leste, apresentou sintomas no dia 9 de setembro e morreu no dia 15.

O Centro de Vigilância Sanitária informou que, atualmente, 10 casos são investigados sob suspeita de intoxicação pela substância.

“A recomendação é que bares, empresas e demais estabelecimentos redobrem a atenção quanto à procedência dos produtos oferecidos, e que a população adquira apenas bebidas de fabricantes legalizados, com rótulo, lacre de segurança e selo fiscal, evitando opções de origem duvidosa e prevenindo casos de intoxicação que podem colocar a vida em risco”, pontuou o órgão.

A Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) também divulgou uma nota técnica com o intuito de orientar “o setor privado e desencorajar a ação criminosa de falsificadores e distribuidores irregulares”.

São recomendados aos estabelecimentos:

  • Aquisição exclusiva de bebidas por meio de fornecedores formais com CNPJ ativo e regularidade no segmento;
  • Compra acompanhada de nota fiscal e conferência da chave de segurança nos canais da Receita Federal;
  • Não recebimento de garrafas com lacre e rolha violados, rótulos desalinhados ou de baixa qualidade, ausência de identificação do fabricante e importador, sem a identificação dos lotes, com numeração repetida ou ilegível;
  • Realização de medidas de rastreabilidade como dupla checagem.

A Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas) e a ABNO (Associação Brasileira de Neuro-oftalmologia) também publicaram notas com alertas sobre o ocorrido.

A Abrabe se solidarizou com as vítimas e ressaltou que atua “fortemente no combate ao mercado ilegal de bebidas, na orientação sobre o cumprimento das exigências técnicas e regulatórias do setor e na promoção do consumo responsável”.

Já a ABNO fez um alerta sobre os risco de consumir metanol, que pode causar neuropatia óptica, “uma doença grave que pode causar perda de visão irreversível”.

De acordo com a associação, entre 12 horas e 24 horas após o consumo, podem surgir sintomas de intoxicação como “dor de cabeça, náuseas, vômitos, dor abdominal, confusão mental e, principalmente, visão turva repentina ou até cegueira”. O diagnóstico deve ser feito a partir do histórico clínico do paciente e por exames de sangue e de imagem.

Possível envolvimento do PCC

O Primeiro Comando da Capital (PCC) estaria envolvido nos casos de intoxicação por bebidas adulteradas, segundo a ABCF (Associação Brasileira de Combate à Falsificação).

Por meio de nota, a associação disse suspeitar que o metanol usado para adulterar as bebidas pode ser o mesmo importado ilegalmente pela facção para misturar aos combustíveis.

Há um mês, a Operação Carbono contra o crime organizado constatou o uso de combustível adulterado em postos alvos. Os estabelecimentos usavam 90% de metanol – o máximo permitido é de 0,5% da substância na gasolina e no álcool.

Para a associação, o fechamento dessas formuladoras de combustível “diretamente ligadas ao crime organizado” pode ter relação com essa onda de intoxicações e envenenamentos de consumidores. Investigações do MP apontam que o PCC importa o metanol de maneira fraudulenta para adulteração de combustíveis.

A ABCF destacou que os parceiros da facção criminosa podem “eventualmente ter revendido tal metanol para destilarias clandestinas e quadrilhas de falsificadores de bebidas, auferindo lucros milionários em detrimento da saúde dos consumidores”.

Por meio de nota enviada à IstoÉ, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou que, até o momento, houve o registro de quatro boletins de ocorrência referentes a casos de intoxicação por metanol. “Dois casos ocorreram na capital, na noite de sexta-feira (19), na Alameda Lorena, no Jardim Paulista – sendo investigado pelo 78° DP – e no dia 31/08, na Avenida Presidente João Goulart, sendo registrado e investigado pelo 48° DP (Cidade Dutra), que já realizou oitivas e aguarda laudos periciais para análise e esclarecimento dos fatos”, emendou.

Já outros dois casos ocorreram em São Bernardo do Campo, sendo que ambos foram registrados no 1º Distrito Policial de SBC. Em relação à primeira ocorrência, “a esposa da vítima será ouvida e o inquérito será remetido para Itu, para prosseguimento da investigação”, finalizou.

*Com informações da Agência Brasil e Estadão Conteúdo