Miguel Proença, pianista brasileiro de renome internacional, morreu na sexta-feira, 22, aos 86 anos de idade. Além do trabalho como músico, também ocupou cargos relevantes como presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), secretário de Cultura do Município do Rio de Janeiro e diretor da Sala Cecília Meireles e da Escola de Música Villa-Lobos.
O músico foi um pianista de concerto de repertório amplo, com atuação como camerista e solista. Além do Brasil, fez sucesso no exterior. Também se notabilizou pelo destaque dado ao legado de compositores brasileiros do passado.
A causa da morte não foi divulgada. Colegas de longa data de Miguel Proença, como a produtora Gloria Guerra e o cantor Márcio Gomes, lamentaram o fato.
“Foi o maior divulgador dos compositores brasileiros, com aproximadamente 30 gravações. Na sua casa conheci Nelson Freire, Maria Lucia Godoy, Edino Krieger, Mindinha, Villa Lobos, Bidu Sayão, e tantos outros”, publicou Gloria.
Já Gomes escreveu: “Miguel foi uma das pessoas mais queridas que já conheci, respirava arte. Foi sempre um amigo fiel, incentivador! Sua carreira foi brilhante como pianista clássico, mas amava a música popular. Suas gargalhadas estão presentes no coração de quem o conheceu. Você deixará muita saudade!”
Miguel Proença, um amante e estudioso da música
Miguel Angelo Oronoz Proença, seu nome completo, nasceu em Quaraí, no Rio Grande do Sul, em 1939. Estudioso de sua área, fez doutorado pela Escola Superior de Música de Hannover e foi professor na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e na Universidade de Música de Karlsruhe, na Alemanha.
Entre 1995 e 1998, em parceria com a Capes, proporcionou bolsas de estudo para brasileiros na Europa, Rússia, Japão e Brasil. Décadas antes, ele próprio havia sido bolsista da Pró-Arte e da Deutscher Akademischer Austuschdienst.
Como destaca reportagem do crítico musical Caldeira Filho, do Estadão, publicada em 1972, Miguel Proença já conquistava destaque há muito tempo. “Apresentou-se em várias cidades da Europa como recitalista e, como solista, tocou com a Orquestra Sinfônica Brasileira e Nord Deutscher Rundfunk, da Alemanha. São excelentes as críticas de que foi objeto, reproduzidas no programa impresso.”
“Miguel não fez sentir ao ouvinte o calor da interpretação. Revelou, porém, possuir talento, técnica ampla e caminho de autêntica virtuosidade, e inegável disposição pianística. Fundamentalmente, falta-lhe uma consciente e mais convicta auto-afirmação”, escrevia o crítico na época. Nada que o tempo não tratasse de aperfeiçoar nas cinco décadas seguintes.
Miguel Proença: secretário de Cultura e presidente da Funarte
Na década de 1980, ganhou repercussão no meio musical e político ao ser nomeado secretário de Cultura do Rio, cargo em que atuou de 1983 a 1988. À época, já era diretor da Escola de Música Villa-Lobos, também no município fluminense.
A intenção pública em incentivar a arte à população vinha desde muito tempo antes. Em 1979, por exemplo, Miguel Proença deu uma entrevista ao Estadão falando a respeito da Sala Guiomar Novaes, em São Paulo – o espaço era mantido pelo Instituto Nacional da Música, da Funarte.
À época, ele valorizava o projeto que pretendia “aumentar a faixa do público, o mercado de trabalho para o artista nacional e estimular o compositor brasileiro, executado em 30% das apresentações”.
Após ter sido diretor da Sala Cecília Meireles, no Rio, entre janeiro de 2017 e janeiro de 2019, em fevereiro de 2019, Proença assumiu como presidente da Funarte. A entidade é responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas de fomento ao teatro, circo, dança, música e artes visuais no Brasil.
O convite teria sido feito por Osmar Terra, então ministro da Cidadania do governo Jair Bolsonaro, que seria um admirador de seu trabalho como músico e também como gestor da área cultural. Sobre a relação com o presidente, Proença evitava críticas e dizia: “A palavra dele é definitiva.”
Também afirmou que sugeriu a Bolsonaro que ouvisse “pessoas do setor” e que a cultura poderia melhorar “se houver mais calma, se não houver corte de projetos”.
Miguel Proença e a ‘Guerra ao Tablet’
Uma de suas primeiras medidas foi levar um piano para seu gabinete. Miguel Proença também trazia várias intenções. “Pretendo criar uma grande corrente de participação, incluindo na equipe realizadores que produziram experiências artísticas vitoriosas em suas regiões”, prometia. “Pretendo fazer o projeto Cine Paradiso – Guerra ao Tablet, ou algo assim, com os mais belos filmes para jovens, para aproximá-los da arte, afastando-os um pouco do excesso de uso dos celulares e outros dispositivos digitais”, dizia na época. “Os [nossos] músicos vão muito para a Europa. Onde está nossa América, que tem tantos talentos? Quero que a Funarte faça essa união”, propunha.
Saída da Funarte
Ele ficou apenas alguns meses no cargo, tendo sido exonerado em novembro daquele mesmo ano. Em entrevista ao Estadão, revelou que acreditava que sua defesa da atriz Fernanda Montenegro teria sido determinante para o fato.
Na ocasião, Roberto Alvim, então diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen), também da Funarte, havia chamado a atriz de “mentirosa”, “sórdida” e “intocável”, entre outras ofensas.
Miguel Proença defendeu-a. “Irritou profundamente [defender Fernanda Montenegro]. A pessoa devia estar contrariada com ela. Não sei o porquê. Fui um dos primeiros a me manifestar. Não pensei em política, pensei em mandar um abraço a uma amiga. O que fazer com pessoas que não entendem esse relacionamento com outros artistas e querem impor uma maneira de salvar o mundo através só da religião?”, explicava.
Em seguida, Miguel Proença encerrava: “Minha religião é agradar o público.”