Cofundador do movimento Cinema Novo, imortal da ABL marcou décadas do cinema brasileiro, como diretor e roteirista. Entre seus colaboradores, nomes como Sônia Braga, Chico Buarque, João Ubaldo Ribeiro e Jeanne Moreau.Morreu aos 84 anos, na manhã desta sexta-feira (14/02), no Rio de Janeiro, o cineasta Cacá Diegues, devido a complicações durante uma cirurgia. Um dos fundadores do movimento Cinema novo, entre 1963 e 2018, ele dirigiu 18 longas-metragens, alguns dos quais estão entre os clássicos da cinematografia brasileira.
Nascido Carlos José Fontes Diegues em Maceió, em 1940, segundo filho de um antropólogo e uma fazendeira, sua família mudou-se para o Rio de Janeiro quando ele tinha seis anos. Durante o estudo de Direito, fundou um cineclube e começou a atuar como cineasta amador.
Ainda no contexto da universidade, iniciou, juntamente com Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Cesar Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade, o movimento Cinema Novo, inspirado pelo neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa, e marcado pela crítica social. O curta-metragem Domingo, de 1961, realizado por Diegues em colaboração com David Neves e Affonso Beato, é considerado um dos pioneiros da nova tendência artística.
Seus primeiros longas-metragens foram Ganga Zumba (1964), A grande cidade (1966) e Os herdeiros (1969). Em 1968, a ditadura militar promulga o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suspendia direitos e garantias constitucionais individuais. Politicamente exposto, Diegues deixa o país no ano seguinte, indo morar com a esposa, a cantora Nara Leão, na Itália e depois a França.
Década dourada, "patrulhas ideológicas", enredo de samba
Após a volta ao Brasil, escreve e dirige os filmes que mais definiram seu reconhecimento junto ao público: Quando o Carnaval chegar (1972), Joanna Francesa (1973), Xica da Silva (1976), Chuvas de verão (1978) e Bye bye Brasil (1979). Neles, equilibra humor e entretenimento com emoção e profundidade, no tratamento de temas complexos.
Nessa época de transição política para o Brasil, para certos meios a produção do cofundador do Cinema Novo faz concessões demais, não é suficientemente radical. Consta que Diegues foi quem cunhou o termo "patrulhas ideológicas", numa entrevista de 1978 ao jornal O Estado de S. Paulo, para definir quem desqualificava a produção cultural não alinhada aos cânones da esquerda política mais ortodoxa.
Após o fim da ditadura e com a gradual redemocratização do Brasil, a produção de Cacá Diegues se rarefaz, porém inclui destaques como o épico Quilombo (1984), Tieta do Agreste (1996), Orfeu (1999), Deus é brasileiro (2003, com João Ubaldo Ribeiro como corroteirista) e O Grande Circo Místico (2018, baseado no espetáculo de 1983 de Chico Buarque e Edu Lobo).
Sua reputação nacional e internacional estava consolidada: jurado do Festival de Cannes em 1981, seus filmes foram laureados em eventos da Colômbia, Cuba, Estados Unidos, Porto Rico, Reino Unido e Síria, entre outros. Produtor incansável (Getúlio, Aquarius, Bacurau), para além das grandes telas Diegues dirigiu séries televisivas e vídeos de música.
Entre os atores com que Diegues trabalhou, esteve a elite de diversas décadas do cinema, teatro e TV nacional: Antônio Fagundes, Betty Faria, Carlos Kroeber, Fábio Júnior, Hugo Santana, Jofre Soares, José Wilker, José Lewgoy, Sônia Braga, Wagner Moura, Walmor Chagas, Zezé Motta – assim como a diva do cinema francês Jeanne Moreau.
O "cantautor" Chico Buarque se encarregou de algumas de suas trilhas sonoras mais marcantes – e em Quando o Carnaval chegar fez também uma aparição como ator, ao lado de Nara Leão e Maria Bethânia. Em 2016, a escola de samba Inocentes de Belford Roxo o homenageou no Rio de Janeiro no enredo "Cacá Diegues – Retratos de um Brasil em cena!".
Deus ainda é brasileiro
Oficial da Ordem das Artes e das Letras da França, comendador da Ordem de Mérito Cultural e Medalha da Ordem de Rio Branco, em 2018, Diegues passou a ocupar a cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, como imortal.
A instituição lamentou sua morte, em 14 de fevereiro de 2025, em comunicado: "Sua obra equilibrou popularidade e profundidade artística ao abordar temas sociais e culturais com sensibilidade. Durante a ditadura militar, viveu no exílio, mas se manteve sempre ativo no debate sobre política, cultura e cinema."
O cineasta deixou em fase de pós-produção sua última obra, Deus ainda é brasileiro, com estreia marcada para outubro deste ano. Nessa sequência do clássico de 2003, Cacá Diegues revisita sua mitologia, narrando uma nova jornada de Deus ao país tropical.
Segundo o website AdoroCinema.com, "a trama reflete um Brasil contemporâneo, pós-pandemia, marcado pela transição política e os desafios deixados por uma liderança de extrema direita": "Com toques de crítica social, o filme conecta passado e presente, propondo uma reflexão sobre a capacidade humana de se transformar diante de crises."