Isolado na campanha, com desempenho contestado e em crise com o Movimento Brasil Livre (MBL), o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro, pré-candidato do Podemos à Presidência, tenta encontrar um jeito de sobreviver na disputa. Em busca de uma identidade, Moro tem apelado para aparições em programas conservadores e conversa com influenciadores digitais que abandonaram o presidente Jair Bolsonaro.

Desde que vieram à tona os comentários de cunho sexista do deputado Arthur do Val sobre mulheres ucranianas, a campanha de Moro, que não decolou, entrou em declínio, sob pressão dos adversários. Foi o segundo desgaste, em menos de um mês, provocado por aliados do ex-juiz – mas que viraram agenda negativa e exigiram posicionamento público dele. O primeiro havia sido uma declaração crítica à criminalização do partido nazista, feita pelo deputado Kim Kataguiri (SP).

“Esse episódio (da Ucrânia) foi lamentável. Eu manifestei de pronto em repúdio aquelas declarações inaceitáveis, o deputado se afastou tanto da construção da candidatura dele, como também do próprio MBL e do Podemos. Não vejo como isso possa sinceramente afetar nada”, disse Moro.

Embora o ex-ministro da Justiça diga que está tudo em paz na sua relação com o MBL, na prática não é bem assim. Moro não quis rifar o apoio do grupo por completo, mas começou a isolar os cabeças do movimento de discussões da campanha, numa tentativa de contenção de danos.

Um grupo de WhatsApp que reúne o “Conselho Político” e tinha membros do MBL vive em marasmo desde o episódio com Arthur do Val. Dois integrantes do MBL abandonaram o grupo no aplicativo: Renan Santos e Adelaide Oliveira. Arthur Do Val continua e por isso as discussões se tornaram escassas ou superficiais.

Conselho político

O pré-candidato do Podemos está montando um grupo paralelo para refletir melhor seu real conselho político, com nomes como os senadores Álvaro Dias (PR) e Oriovisto Guimarães (PR), a deputada Renata Abreu (SP), presidente nacional do partido, e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo.

Ontem, Moro jantou em Brasília com a bancada de senadores do Podemos e alguns integrantes do conselho para discutir a situação da campanha e analisar os cenários, de olho no fim da janela para mudança de partido e filiações, que se encerra em 2 de abril.

Antes do jantar reservado, Moro fez visitas institucionais, uma atividade de campanha que tem tomado boa parte de sua agenda. Ele visitou reitores de entidades filantrópicas e confessionais, tentando aproximar-se do terceiro setor e da base religiosa do presidente Bolsonaro. Passou três horas discursando e respondendo às perguntas dos reitores. Essas reuniões viraram uma tônica da pré-campanha do ex-juiz na capital federal, marcada pela ausência de dirigentes partidários, governadores e parlamentares.

Para superar o esvaziamento político nessas reuniões, Moro tenta deixar seu nome em evidência com entrevistas, presenciais ou remotas. Anteontem, o ex-juiz apostou em direcionar seu discurso para um público de apoiadores digitais de Bolsonaro. O objetivo é fisgar descontentes. Deu entrevista para o youtuber Nando Moura, cujo vídeo ultrapassou 400 mil espectadores, e para o programa Direto ao Ponto, do jornalista Augusto Nunes, na Jovem Pan, com mais 340 mil visualizações. Os dois se notabilizaram por terem audiência majoritariamente de direita e alinhada a Bolsonaro, embora Moura tenha se afastado do governismo por atritos com outras alas ideológicas do bolsonarismo.

“A gente está falando com todo mundo e todo mundo tem razões para estar desapontado com esse governo, que não entregou os resultados, não entregou as promessas. Claro, isso é algo a ser explorado, no bom sentido, porque no fundo o governo fracassou”, afirmou o ex-ministro.

O deputado Kim Kataguiri (União-SP), líder do MBL e um dos principais conselheiros da pré-campanha digital de Moro, evitou comentar a busca por ex-bolsonaristas, mas elogiou a iniciativa de conversar com Nando Moura. O youtuber, que costuma se envolver em atritos com outros influencers digitais, conquistou sucesso na internet em 2016 ao criticar a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Em 2018, ele apoiou Bolsonaro, mas depois rompeu com o presidente. “É um rapaz de boa índole, além de ser bem popular em redes sociais”, disse Kim ao Estadão.

Moro também tem conversado com deputados eleitos pelo antigo PSL – hoje União Brasil – que apoiavam Bolsonaro e romperam com o presidente, como Júnior Bozzella (União-SP), Julian Lemos (União-PB) e Dayane Pimentel (União-BA). Também continua sua incursão no segmento evangélico. Diferente das entrevistas publicadas ontem, Moro mira em agendas nas principais igrejas do País e tenta reuniões de cúpula, por exemplo, com o bispo Edir Macedo, a Universal do Reino de Deus. Para se contrapor a Bolsonaro, conversou com jovens evangélicos na semana passada, mas as visualizações não passaram de 200 pessoas.

Estrutura

Parte de sua equipe reclama da falta de estrutura do Podemos e já percebeu que nem todos os envolvidos vão se dedicar à campanha apenas por ideal. Moro ainda enfrenta dificuldades operacionais na comunicação e tem orçamento limitado pela legenda. O marqueteiro Pablo Nobel assumiu o comando, mas ainda falta uma estratégia clara nas redes sociais e está “batendo cabeça”, nas palavras de um conselheiro do presidenciável.

Em entrevista coletiva, o ex-ministro da Justiça reconheceu que as negociações para alianças partidárias não estão avançando no momento. De acordo com ele, as conversas devem tomar forma a partir de abril, quando acabar o período da janela partidária, intervalo em que deputados federais podem trocar de legenda sem correrem o risco de perder o mandato. “Como está neste período de transferência, o foco dos partidos tem sido formar as bancadas nos Estados, mas existem discussões sendo realizadas em termos de alianças com demais partidos. Isso, ao meu ver, vai se aprofundar apenas após o começo de abril, no fim dessa janela de transferência”, afirmou Moro.

Embora nenhum representante do Podemos tenha participado das reuniões que PSDB, MDB e União Brasil têm feito para unir as candidaturas presidenciais, Moro afirmou que mantém conversas com representantes desses partidos e também pregou uma unidade. “Há uma conversa no sentido de ter uma candidatura única entre vários partidos. Não sabemos se isso vai evoluir, mas há uma expectativa de que sim, que se possa ter a construção de uma candidatura única de centro contra os extremos políticos”, disse o ex-juiz.