SEM POSTO IPIRANGA Paulo Guedes foi escanteado no plano Pró-Brasil e vê sua agenda liberalizante ser comprometida

Jair Bolsonaro está aproveitando a crise do novo coronavírus para afastar todos os auxiliares que lhe faziam sombra. A próxima vítima é Sergio Moro. O ministro da Justiça pediu demissão na última quinta-feira, 23, após o presidente informar que mudaria a diretoria da Polícia Federal, ocupada por Maurício Valeixo, aliado do ex-juiz. Moro disse que deixará o governo se Bolsonaro efetivar a exoneração. É a segunda vez que o presidente tenta remover Valeixo, incomodado com o avanço das investigações sobre o clã Bolsonaro e sua ligação com a milícia carioca. Nesse momento, a PF estava conseguindo desvendar o funcionamento da máquina de propaganda bolsonarista nas redes digitais, inclusive chegando aos patrocinadores do esquema. Atualmente, esse é o maior risco para a permanência de Bolsonaro no Planalto. O STF tem um inquérito que apura os ataques ao Judiciário nas redes, e acaba de abrir uma investigação sobre os atos golpistas do domingo, 19. Além disso, a CPMI das Fake News se aproxima dos esquemas ilegais que patrocinaram a eleição de Bolsonaro em 2018.

Moro barrou a primeira tentativa de troca na PF no início da gestão Bolsonaro, mas agora o presidente sentiu que é o momento de agir, numa jogada arriscada. Está acuado com o risco de impeachment, com a crise econômica e de saúde, e com seu crescente isolamento. Além disso, gostaria de entregar a cabeça da cúpula da PF ao Centrão, de quem tenta se aproximar — e que tem vários membros investigados na Lava Jato. Nas últimas semanas, encurralado com sua ação irracional contra a pandemia, o presidente também já tinha fritado o titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A exoneração do ex-ministro causou um enorme desgaste ao presidente, que viu seus índices de popularidade despencarem e o apoio nas redes sociais encolherem. Para evitar mais essa crise num momento delicado, Bolsonaro escalou às pressas os generais Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (GSI) para demover Moro. Na quinta-feira, 23, eles tentavam evitar a saída do ex-juiz. No ano passado, o papel de bombeiro coube ao vice Hamilton Mourão, que desfez mais uma trama contra o titular da Justiça. Na época, Bolsonaro queria tirar de Moro a gestão da Segurança Pública e entregá-la ao um antigo aliado da bancada da bala, Alberto Braga.

Se Bolsonaro recuar e conseguir manter Moro no governo, não escapará de ver sua imagem se deteriorar ainda mais. O problema para o presidente é que Moro é a face da Lava Jato. É um dos pilares da atual gestão. Representa o combate à corrupção, que foi uma das razões do desgaste do PT e um dos combustíveis da campanha vitoriosa de Bolsonaro. Num momento em que o oferece cargos, bancos e portos públicos ao Centrão, o presidente não conseguirá manter o discurso de combate à “velha política”. Outro sustentáculo do governo, o ministro Paulo Guedes (Economia), também foi severamente avariado nos últimos dias com o lançamento à sua revelia do programa Pró-Brasil, de investimentos públicos em infraestrutura.

Inflexão no governo

Representa o fim da agenda liberalizante de Guedes, dos superpoderes do “posto Ipiranga” e uma sinalização de que a economia vai sofrer uma inflexão, com mais intervenção estatal e menos foco na disciplina fiscal. Já ressabiados com o discurso antiambiental de destruição da Amazônia, os investidores internacionais devem perder de vez a confiança na retomada sustentável da economia. Todas essas medidas evidenciam uma mudança de rota do atual governo, com menos técnicos e maior suporte militar. Desde o início do ano o general Walter Braga Netto, novo ministro-chefe da Casa Civil, adquiriu na prática a função de primeiro-ministro. Além de dirigir o gabinete de crise da pandemia, passou a coordenar com braço de ferro as outras pastas. Enquadrou o atual ministro da Cidadania, Onyx Lorezoni (que não tem conseguido gerenciar o coronavoucher), passou a supervisionar a comunicação do governo (inclusive afastando um membro do gabinete do ódio, que segue as orientações de Carlos Bolsonaro) e assumiu o controle de fato do Ministério da Saúde. Também esteve à frente do novo programa econômico de investimentos, junto com o titular da infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. As mudanças são equivocadas, e o presidente não está refazendo as bases do seu governo por desejar aperfeiçoar a gestão. A eventual saída de Moro comprova que está agindo pelos motivos errados: com a água subindo, procura desesperadamente se manter no cargo, que nunca esteve tão ameaçado.