Acostumado com os dogmas e ritos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias há 37 anos, Frederico Jorge Cardoso Rocha foi surpreendido durante um reunião na sede da igreja, no Ipiranga, na Zona Sul da Capital Paulista. As informações são do TAB, do UOL.

No dia 22 de fevereiro deste ano, o presidente de estaca e líder eclesiástico mudou a rota da reunião e dez uma denúncia. A instituição recebeu uma informação de que Frederico era homossexual e mantinha relacionamento homoafetivo.

Nesse sentido, a esposa do funcionário procurada para esclarecer a situação. Apesar de não ter formalizado o divórcio, a mulher confirmou que estavam separados, mas não deu maiores informações, além de negar o contato aos três filhos do casal.

Somente um mês após a revelação, a igreja se pronunciou oficialmente sobre a denúncia e optou por negar a habilitação de Rocha por “violação à lei de castidade”. De acordo com a posição do líder da instituição, Frederico poderia continuar como membro, com a condição de seguir premissa religiosa, a qual prevê: “Deus ordenou que somente haja relações sexuais no casamento entre um homem e uma mulher. Esse mandamento é chamado de lei da castidade”.

No mês seguinte, em abril, a igreja entendeu que Frederico não seguiu a “recomendação para o templo” e foi demitido por justa causa, o que lhe causou a perda dos direitos trabalhistas e do seguro desemprego. Com isso, o caso foi parar na Justiça e é tratado pela defesa de Frederico como homofobia.

“Sofrer uma denúncia diante do seu empregador por ser homossexual é discriminação e o Supremo Tribunal Federal determinou que homofobia é crime”, observa o advogado criminalista Eduardo Levy Picchetto, que assina a representação.

Outra vida

Os 61 anos, Rocha reside atualmente em um apartamento com seu companheiro. Eles também dividem a moradia com Nico, um cachorro maltês. Frederico conta que por boa parte da sua vida foi pensada de uma forma diferente.

“Os jovens cruzarem a Paulista e flertarem é algo rotineiro. Tenho mais de 60, demorei muitas décadas para me aceitar”, afirma.

Posteriormente as denúncias, Frederico disse que o presidente da Igreja o tentou convencer a mudar de posição: “Se você quiser negar, está tudo resolvido”. Rocha confirmou a homossexualidade. “Você quer eu flerte com meu passado. Não posso fazer isso.”

Complicações em cirurgia

Há pouco tempo, Frederico precisou de transfusão de sangue e ser transferido para uma Unida de Terapia Intensiva (UTI). Tudo isso aconteceu após complicações de uma cirurgia na bacia, que o limita no caminhar. O procedimento só foi possível por meio de uma reintegração provisória de Rocha ao trabalho, feito pela juíza substituta Caroline Ferreira Ferrari, da 15ª Vara do Trabalho de São Paulo.

Em resposta, a igreja apresentou embargo e uma nova petição; por enquanto, apenas reintegrou o funcionário no plano de saúde.

Passado e futuro

A posição de Rocha na entidade respondia pelo cuidado de projetos de construção de capelas. No entanto, com a demissão, ele disse que parte da sua vida foi retirada.

“Eles [a igreja] me perguntaram o que eu queria. Meu desejo é ser reintegrado ao meu trabalho. Para mim, isto é um ato de devoção. É toda minha vida”, diz, com a foto do templo na mão e a voz embargada.

“Não tenho uma mácula no meu prontuário. Não se trata de uma questão trabalhista, é a vida da gente.”

Ao TAB, a Associação Brasileira da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias afirma que os funcionários aceitam voluntariamente viver de acordo com a doutrina, que incluem viver “padrões de honestidade, integridade pessoal, fidelidade conjugal e moral”. “Um funcionário não é demitido devido à sua identidade ou preferência sexual. A Igreja não divulga a condição ou situação como funcionário das pessoas empregadas pela Igreja”, diz a nota.

“Precisei trabalhar muitos anos para ver uma justa causa dessa, por infidelidade conjugal. Isso é uma invasão à privacidade inadmissível. Isso não tem nenhuma ligação com nada que ele fazia na igreja, ele não era um pastor, ele comprava terrenos”, observa a advogada trabalhista Maria Helena Autuori, que defende Rocha.

“Engraçado, não é? Eu disse como era maravilhoso chegar aos 61 com alegria. Pensava na minha vida hoje, no meu amor, em como, depois de dez anos de terapia, passei a ser agente das minhas decisões”, conta.

“Sinto muita falta da igreja, mas lá não sou acolhido mais”, diz, enquanto acaricia o cachorro com a mão esquerda, que carrega uma aliança de metal preta — “é a mão de casamento”, faz questão de observar. “Sabe, a vida é muito curta. Curta demais pra ser quem não se é.”