Nanni Moretti é um cineasta político e impõe-se, como missão, refletir sobre seu país, embora esse ato possa não ser de todo agradável. Como boa parte da intelligentsia italiana, Moretti sentiu-se aturdido com a chegada da extrema-direita ao poder, da mesma forma como a parte pensante da sociedade brasileira ficou atônita com o resultado das últimas eleições. Por que, então, Nanni Moretti se voltaria, em seu filme mais recente, à questão chilena por excelência, o golpe que, em 11 de setembro de 1973, derrubou o presidente Salvador Allende e deu início à sangrenta e duradoura ditadura militar comandada por Augusto Pinochet?

A resposta a essa pergunta exige algumas considerações – e estas estão no filme Santiago, Itália. Entrevistando vários chilenos, alguns falando em espanhol, outros em italiano, e servindo-se de imagens de arquivo (como o bombardeamento do Palácio de la Moneda pela aviação golpista), Moretti reconstitui o clima daquela época. A Unidade Popular vencedora e articulada em sindicatos, contra uma classe média hostil e açulada por sabotadores de todo o tipo, inclusive os que criavam no país uma situação de escassez artificial.

Vem o golpe, e a perseguição política, com os presos amontoados no Estádio Nacional, agora transformado em campo de concentração. Alguns depoimentos são pungentes, como o do cineasta chileno Patricio Guzmán, preso no estádio, e, que, depois de libertado, partiu para o exílio. Cabe lembrar que se deve a Guzmán o mais estupendo documento sobre esse período, o clássico em três filmes intitulado Batalha do Chile.

Guzmán é um desses opositores famosos, assim como outro cineasta, Miguel Littin, também exilado. Mas, de certa forma, impressionam ainda mais as palavras de anônimos que nos contam algo capaz de causar estupor hoje em dia. Diz respeito a um fato de elementar fraternidade humana. Perseguidos, nos primeiros dias de ditadura, esses chilenos buscavam meios de sair do país. E encontraram um inesperado refúgio na embaixada italiana.

Apesar das dificuldades, a Itália não negou proteção a essas pessoas ameaçadas de morte. E ainda conseguiu transferir boa parte deles para o próprio território italiano, onde passaram a trabalhar e tocaram suas vidas. Com essa solidariedade aos chilenos, a Itália escreveu uma das mais belas páginas da sua história contemporânea.

E o que aconteceu a este país, pergunta-se Moretti, capaz agora de eleger extremistas e discriminar imigrantes? Esse parece ser o sentido profundo desse belo e inspirador filme. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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