16/05/2021 - 20:42
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera “provável” que um animal tenha servido como intermediário na transmissão do SARS-CoV-2, o que confirma seu papel como reservatórios de vírus capazes de infectar os seres humanos.
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Quais espécies transmitem vírus? De onde virão as próximas pandemias?
– A maioria das doenças humanas
De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), 60% das doenças infecciosas humanas são zoonóticas, ou seja, são encontradas primeiro em outro animal.
Esse percentual chega a até 75% para novas doenças infecciosas, segundo estudo britânico publicado em 2001 e considerado referência no assunto.
Entre os patógenos responsáveis por essas doenças, um em cada seis seria um vírus; um terço, uma bactéria; e outro, um terceiro parasita. 10% são fungos microscópicos, indica este estudo.
– O morcego, o suspeito ideal?
Os morcegos desempenham um papel reservatório para um grande número de vírus que afetam os humanos. Eles os abrigam sem adoecerem.
Alguns são conhecidos há muito tempo, como o vírus da raiva, mas muitos surgiram nos últimos anos, como o ebola, o coronavírus SARS, o SARS-CoV-2 e o vírus Nipah, que apareceu na Ásia em 1998.
Os morcegos “sempre foram bons reservatórios para muitos vírus, mas antes tínhamos muito pouco contato” com essas espécies, disse à AFP Eric Fèvre, professor de doenças infecciosas veterinárias da Universidade de Liverpool (Reino Unido) e no International Livestock Research Institute (Quênia).
A redução das florestas tropicais com o avanço das cidades e áreas cultivadas, combinada com os efeitos das mudanças climáticas, aproximam esses animais das áreas habitadas e os leva a “interagirem cada vez mais com as populações humanas”, afirma.
– O furão, o vison e a doninha
Outra família de mamíferos, os mustelídeos (texugos, furões, visons, doninhas…), é frequentemente identificada como responsável por zoonoses virais, em particular aquelas causadas por coronavírus.
A civeta foi identificada como o hospedeiro intermediário da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que deixou 774 mortes em todo mundo em 2002-2003. Embora o coronavírus da SARS tenha sido encontrado em algumas civetas, não está confirmado, porém, que este pequeno carnívoro próximo ao mangusto foi quem transmitiu o vírus aos humanos.
A contaminação com SARS-CoV-2 de criações de visons demonstrou que esta espécie pode ser infectada por portadores humanos. Mas o caso inverso não foi comprovado.
– O pangolim, inocente?
No início da epidemia de covid-19, este animal ameaçado de extinção foi apontado por investigadores chineses como o “possível hospedeiro intermediário”, tendo em conta a similaridade das sequências genéticas do SARS-CoV-2 e de um coronavírus que infecta o pangolim.
Embora esse mamífero seja o hospedeiro natural de muitos vírus, seu papel na transmissão do SARS-CoV-2 não foi estabelecido.
O estudo publicado nesta segunda-feira por especialistas da OMS e da China também não esclarece esse ponto.
“Entre os vírus que vêm desses dois mamíferos (morcego e pangolim) identificados até agora, nenhum se assemelha ao SARS-CoV-2 o suficiente para ser considerado seu ancestral direto”, afirmam os especialistas.
“Depois de um ano, continuamos com as mesmas perguntas”, lamenta Serge Morand, ecologista de saúde do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS), destacando que uma proximidade genética também não seria suficiente como comprovação.
“Também são necessárias hipóteses ecológicas, que nos explicam como um pangolim poderia entrar em contato com um morcego: não foi de cara em um mercado”, diz.
– Outros mamíferos
“Do ponto de vista histórico, nossa carga viral vem essencialmente de animais de fazenda”, enfatiza Serge Morand.
O vírus do sarampo, hoje totalmente humano, surgiu da adaptação de um vírus na Idade Média que afetava o gado.
O porco também desempenha frequentemente o papel de hospedeiro intermediário para os vírus gripais e o Nipah, por exemplo.
Este animal, sensível aos vírus humanos, também é propício a recombinações. Provavelmente foi o que aconteceu durante a pandemia de H1N1 em 2009-2010, inicialmente classificada como “gripe suína”, com saldo estimado entre 152.000 e 575.000 mortes. A cepa do vírus teria surgido de um porco com gripe aviária e gripe humana.
O vírus da raiva transmitido por cães e raposas infectados, diferente do dos morcegos, é responsável pela grande maioria das 59 mil mortes anuais causadas por essa doença.
Entre os mamíferos selvagens, os grandes símios serviram como hospedeiros intermediários para o HIV (a partir do vírus da imunodeficiência símia, ou SIV) e para o ebola, enquanto o dromedário parece ser “um grande hospedeiro reservatório para o MERS-CoV e uma fonte animal de infecção no homem”, mesmo que “não se conheças exatamente o papel que esses animais desempenham na transmissão do vírus, nem o modo exato de transmissão”, diz a OMS.
Os roedores também são conhecidos por serem reservatórios de muitos vírus, incluindo alguns responsáveis por epidemias em humanos, como a febre hemorrágica de Lassa, endêmica em vários países da África Ocidental.
– Aves selvagens e domésticas
A gripe espanhola de 1918-1919, a gripe “asiática” em 1957, a gripe de “Hong Kong” 11 anos depois, a gripe H1N1 em 2009: todos os vírus responsáveis pelas principais pandemias de gripe tiveram direta, ou indiretamente, origem aviária.
Duas outras cepas de gripe aviária, H5N1 entre 2003 e 2011, e depois H7N9 desde 2013, levaram a infecções diretas na Ásia de aves infectadas, ou em casos muito raros de transmissão entre humanos.
Aves selvagens podem ser o ponto de partida para tais epidemias, e aves de criação muitas vezes desempenham um papel de “amplificação de populações”, observa Eric Fèvre, porque a densidade de criações de aves “geneticamente muito semelhantes” as torna muito “receptivas” ao vírus.
Então, as mutações podem favorecer sua passagem para o Homem, como é o caso do vírus H5N8, presente em muitas fazendas europeias há alguns meses, e que foi detectado na Rússia em sete trabalhadores de uma fábrica de processamento de aves.
– Mosquitos e carrapatos
Embora a palavra “zoonose” se refira a animais vertebrados, insetos como mosquitos e artrópodes como carrapatos são vetores de inúmeras doenças virais que afetam os humanos.
O carrapato transmite principalmente a febre hemorrágica da Crimeia-Congo, enquanto os mosquitos carregam os vírus responsáveis pela febre amarela, chikungunya, dengue, zika e até mesmo o vírus do Nilo Ocidental e da febre do Vale do Rift.
– A próxima pandemia
Em outubro de 2020, o Grupo de Especialistas em Biodiversidade das Nações Unidas (IPBES) alertou que as pandemias “surgirão com mais frequência, se espalharão mais rapidamente e matarão mais pessoas”.
Em primeiro lugar, porque o reservatório é imenso: segundo estimativas publicadas na revista Science em 2018, haveria 1,7 milhão de vírus desconhecidos de mamíferos e aves, e entre 540 mil e 850 mil teriam “capacidade de infectar seres humanos”.
Mas, acima de tudo, porque a expansão das atividades humanas e o aumento das interações com a vida selvagem aumentam o risco de que vírus capazes de infectar pessoas encontrem um hospedeiro.
“Não sabemos quando, como, ou onde” surgirá a próxima pandemia, resume Serge Morand, para quem seria necessário repensar com urgência “a nossa ligação com os animais selvagens e domésticos”.