O STF (Supremo Tribunal Federal) pautou para esta quarta-feira, 19, a análise do pedido das defesas de Jair Bolsonaro (PL), do ex-ministro Walter Braga Netto (PL) e do general da reserva Mario Fernandes para que os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino sejam impedidos de julgar suas participações em uma tentativa de golpe de Estado. A avaliação vai até às 23h59 de quinta-feira, 20.
Formada pelos três magistrados e por Cármen Lúcia e Luiz Fux, a Primeira Turma da corte é responsável pela avaliação das denúncias contra o ex-presidente e seu candidato a vice nas eleições de 2022 e poderá torná-los réus pela articulação de um plano para invalidar a decisão das urnas naquele pleito, impedir a posse do presidente Lula (PT) e manter Bolsonaro no poder, que foi descoberto pela Polícia Federal.
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Estratégia de defesa
Desde que o futuro judicial de seus clientes caiu nas mãos desse grupo, os advogados pediram que o caso fosse analisado em plenário — pelos 11 ministros — e que Moraes não pudesse atuar como juiz, já que foi mencionado nas investigações como alvo de um plano de execução dos golpistas.
Luís Roberto Barroso, presidente da corte, afirmou que o inquérito trata de possíveis crimes contra as instituições, e não um magistrado em específico. “Se fosse acolhida a tese da defesa, todos os órgãos do Poder Judiciário estariam impedidos de apurar esse tipo de criminalidade contra o Estado Democrático de Direito”, disse.
Sem sucesso nas tentativas, a defesa dos denunciados aposta novamente no impedimento de Moraes e incluiu Zanin e Dino, indicados por Lula à corte, na representação. Em meio à estratégia, o advogado do ex-presidente, Celso Vilardi, terá um encontro com Zanin.
No caso de Zanin, a defesa de Bolsonaro lembrou que o magistrado se declarou impedido para julgar um recurso do cliente contra a condenação que o deixou inelegível até 2030. A sanção na Justiça Eleitoral se deveu ao ainda presidente ter, na busca frustrada para se reeleger, reunido embaixadores estrangeiros no Palácio do Planalto para espalhar desinformação sobre as urnas eletrônicas, o que também foi citado pela PF como parte da trama golpista.
No pedido, também foi mencionada a autoria do ministro, então advogado do PT, de uma notícia-crime movida contra Bolsonaro por ataques às instituições e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Além de representar o partido, Zanin advogou por Lula antes de ser indicado pelo próprio a uma vaga no Supremo.
A representação argumentou ainda que, quando era governador do Maranhão, Dino apresentou uma queixa-crime por calúnia, injúria e difamação contra o então chefe do Executivo federal, o que indicaria um pregresso de suspeição para julgar esse mesmo réu — em caso de instauração do processo.
Dino disse não ver motivos para o impedimento. “Não há nenhum desconforto, nenhum incômodo, nada desse tipo. [O julgamento] vai se dar de acordo com as regras do jogo previstas na lei e no regimento interno, com isenção e com respeito à ampla defesa”.
Base para contestação
Para avaliar a sustentação jurídica dos pedidos, a IstoÉ entrevistou dois especialistas:
— Pierpaolo Bottini, professor livre-docente do departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da faculdade de direito da USP (Universidade de São Paulo);
— Vera Lúcia Chemim, advogada constitucionalista.
Pierpaolo Bottini
Ao contrário do impedimento, em que o ministro é obrigado a se afastar do julgamento da causa por situações específicas — parentesco com uma das partes do processo, por exemplo –, a suspeição existe apenas quando o juiz se sente incapaz de julgar com isenção a causa por qualquer motivo. É um critério subjetivo do magistrado.
É evidente que, se houve um leque claro de motivos que indiquem parcialidade, ela poderá ser reconhecida pelo tribunal. Mas o fato do ministro Cristiano Zanin, neste caso, ter se declarado suspeito em uma causa distinta, que trata de uma condenação na Justiça Eleitoral, não significa que ele seja suspeito para todas as causas que envolvam as mesmas partes.
Quanto a Moraes, a vítima do golpe é o estado democrático de direito, não o ministro específico.
Vera Lúcia Chemim
A apresentação da queixa-crime de Flávio Dino contra Bolsonaro fortalece um fundamento, previsto no Código de Processo Penal, que dispõe que o juiz será suspeito se for amigo ou inimigo íntimo de uma das partes do processo — no caso, o ex-presidente.
A despeito disso, é de conhecimento público a relação de inimizade entre o ministro e o político, por razões óbvias. O Código exige que essa inimizade seja pública e notória, como é o caso, em que se pode constatar por diversas evidências a ojeriza do magistrado quanto a Bolsonaro.
Em outro artigo do Código de Processo Penal, está previsto que o juiz não poderá exercer a função no processo em que tiver desempenhado a função de advogado. Esse impedimento não alcança o ministro Zanin, porque ele julgará a possibilidade ou não de receber uma denúncia contra o ex-presidente, e não um processo que envolve Lula como uma das partes.
A partir do momento em que Alexandre de Moraes consta como vítima, ele é uma pessoa interessada na causa e teria de se declarar impedido.
Há ainda uma previsão no Código de Processo Penal que remete ao comprometimento da imparcialidade. De acordo com esse artigo, o juiz tem o dever de abstenção de julgar uma determinada causa quando houver incompatibilidade com o processo — para além das razões previstas nos artigos que elencam as causas de impedimento e suspeição. Essa previsão abre o leque para a inserção de outras hipóteses relacionadas à incompatibilidade dos ministros, e viabiliza declarações de impedimento ou suspeição, seja por eles próprios — o que não houve — ou pelas defesas dos acusados.