Moraes derruba sigilo de delação premiada de Mauro Cid

Documento embasou denúncia da PGR contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas por participação em trama golpista

Gustavo Moreno/STF
Ministro Alexandre de Moraes durante sessão plenária do STF Foto: Gustavo Moreno/STF

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou nesta quarta-feira, 19, o sigilo da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A decisão foi tomada horas depois da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e mais 33 pessoas que participaram da trama golpista.

O documento embasou as investigações e a denúncia da PGR contra Bolsonaro, que apontou o ex-presidente como o líder da organização que cogitou um golpe de Estado. O processo segue para a Primeira Turma do STF, que deve decidir se torna o ex-presidente réu, ou não, por pelo menos três crimes.

O acordo de Cid foi firmado com a Polícia Federal e homologado por Alexandre de Moraes em setembro de 2023. Na época, o ex-ajudante de ordens tentava livrar as investigações contra seu pai, Mauro Lourena Cid, além de sua esposa, apontados como suspeitos nos inquéritos que investigam a venda de jóias árabes e a falsificação de cartões de vacinas.

A delação chegou a ficar ameaçada após os desdobramentos da investigação apontarem possíveis omissões de Cid em episódios golpistas. O militar conseguiu a manutenção do acordo após apontar a participação direta do ex-ministro Walter Braga Netto nas ações golpistas.

Outro fator que manteve a delação foi a descoberta do plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice Geraldo Alckmin e o próprio Moraes.

Denúncia contra Bolsonaro

A delação é a principal peça que embasa a denúncia da participação do ex-presidente Jair Bolsonaro em uma tentativa de golpe de Estado para se manter no poder após a derrota nas eleições de 2022.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou nesta terça-feira, 18, Bolsonaro e outras 33 pessoas no inquérito que investiga a tentativa de golpe no Brasil.

A PGR analisou o relatório da Polícia Federal que reuniu indícios de autoria de Bolsonaro em um plano para evitar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e considerou o material suficiente para apresentar a denúncia contra o ex-presidente à Justiça.

Segundo o documento da PF, em sua tentativa frustrada de reeleição, Bolsonaro coordenou uma estratégia de ataque dos integrantes do governo ao sistema eleitoral, convocou embaixadores para uma reunião em que descredibilizou as urnas eletrônicas — razão que o tornou inelegível até 2030 — e levou dois dias para reconhecer o resultado do segundo turno, tudo isso publicamente.

Mas foi mais de um mês após a derrota, em 6 de dezembro de 2022, que o então mandatário esteve no Palácio do Planalto com o general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência durante sua gestão, que na ocasião imprimiu um documento com o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que descrevia as execuções das autoridades em 15 de dezembro, seguidas da instauração de um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”, a ser integrado pelos próprios golpistas para gerir conflitos institucionais e consumar a ruptura democrática, segundo a Polícia Federla. Fernandes está preso.

Também participaram desse encontro o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, e o major Rafael Martins de Oliveira, formado em Forças Especiais (os “kids pretos”, grupo de militares treinado em operações de contra-inteligência, insurreição e guerrilha) e um dos designados para encabeçar a operação. Foi no celular de Cid que os policiais coletaram as informações sobre a trama.

Em 9 de dezembro, Bolsonaro se reuniu com Estevam Theofilo, general que, na ocasião, comandava os kids pretos, para planejar a consumação do golpe — informação revelada pela Tempus Veritatis. Em seguida, o então presidente teve acesso a uma minuta em que constava o suposto embasamento jurídico à ruptura democrática, e ficou com ela para fazer análises e alterações.

Bolsonaro editou o documento, segundo os policiais, antes dele ser enviado ao general Freire Gomes, então comandante do Exército, cujo endosso seria fundamental para a consumação do golpe — o que não ocorreu, apesar conivente de Gomes com declarações e atitudes golpistas.

A investigação ressaltou ainda que Mário Fernandes tinha “estreita proximidade” com o então chefe do Planalto e, depois de apresentar o planejamento operacional do golpe, enviou mensagens a Mauro Cid para comemorar que Bolsonaro “aceitou o assessoramento” de seu grupo. Segundo os policiais, Fernandes era o “ponto focal” entre o político e os manifestantes golpistas, que na ocasião ocupavam acampamentos em frente a quartéis do Exército com a anuência de militares ligados ao governo. O ex-presidente tem repetidamente minimizado as descobertas da Polícia Federal.

*Reportagem em atualização